sexta-feira, 7 de março de 2025

LITURGIA E HOMILIA DIÁRIA - Evangelho: Lucas 4,1-13 - 09.03.2025

 Liturgia Diária


9 – DOMINGO 

1º DOMINGO DA QUARESMA


(roxo, creio, prefácio próprio – 1ª semana do saltério)


Ele me invocará e eu o ouvirei; hei de livrá-lo e glorificá-lo, vou saciá-lo com longos dias (Sl 90,15s).


Impulsionados pela centelha divina que habita em nós, elevamos nossa consciência à Fonte primordial, que escuta o anseio da alma e sustenta o ser em sua jornada. No Verbo e no Pão que nutre, encontramos a clareza que dissipa as ilusões do caminho. Firmes na confiança, reconhecemos que a verdadeira liberdade nasce da sintonia com a Verdade que transcende os limites do tempo. Assim, avançamos sem medo, guiados pela luz interior que nos conduz à plenitude do Ser. No horizonte, a renovação nos espera, onde cada passo ressoa com a harmonia daquele que nos chama à comunhão eterna.



Evangelium secundum Lucam 4,1-13

1 Iesus autem plenus Spiritu Sancto regressus est a Iordane et agebatur a Spiritu in desertum
Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e era conduzido pelo Espírito ao deserto

2 diebus quadraginta et tentabatur a diabolo et nihil manducavit in diebus illis et consummatis illis esuriit
durante quarenta dias, sendo tentado pelo diabo, e nada comeu nesses dias, e, terminados eles, teve fome

3 dixit autem illi diabolus si Filius Dei es dic lapidi huic ut panis fiat
E disse-lhe o diabo: Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão

4 et respondit ad illum Iesus scriptum est quia non in solo pane vivit homo sed in omni verbo Dei
E Jesus respondeu-lhe: Está escrito que o homem não vive só de pão, mas de toda palavra de Deus

5 et duxit illum diabolus et ostendit illi omnia regna orbis terrae in momento temporis
E o diabo levou-o e mostrou-lhe todos os reinos do mundo num instante

6 et ait illi tibi dabo potestatem hanc universam et gloriam illorum quia mihi tradita sunt et cui volo do illa
E disse-lhe: Dar-te-ei todo este poder e a glória deles, porque me foi entregue, e a quem eu quiser, o dou

7 tu ergo si adoraveris coram me erunt tua omnia
Se, pois, me adorares, tudo será teu

8 et respondens Iesus dixit illi scriptum est Dominum Deum tuum adorabis et illi soli servies
E Jesus, respondendo-lhe, disse: Está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás

9 et duxit illum in Hierosolymam et statuit eum supra pinnam templi et dixit illi si Filius Dei es mitte te hinc deorsum
E levou-o a Jerusalém, e colocou-o sobre o pináculo do templo, e disse-lhe: Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo

10 scriptum est enim quod angelis suis mandabit de te ut conservent te
porque está escrito: Aos seus anjos ordenará acerca de ti, para que te guardem

11 et quia in manibus tollent te ne forte offendas ad lapidem pedem tuum
e que te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra

12 et respondens Iesus ait illi dictum est non temptabis Dominum Deum tuum
E Jesus, respondendo-lhe, disse: Também está dito: Não tentarás o Senhor teu Deus

13 et consummata omni temptatione diabolus recessit ab illo usque ad tempus
E, terminada toda a tentação, o diabo afastou-se dele até o tempo oportuno

Reflexão:

"Et respondens Iesus dixit illi: Scriptum est: Dominum Deum tuum adorabis, et illi soli servies."
"E Jesus, respondendo-lhe, disse: Está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás." (Lc 4:8)

Essa frase sintetiza a centralidade da fidelidade a Deus diante das tentações do mundo, reafirmando que a verdadeira orientação do ser humano deve estar na comunhão com o Absoluto, e não na ilusão do poder passageiro.

No deserto da existência, o espírito enfrenta os limites da matéria e a ilusão do efêmero. A fome, o poder e a vaidade surgem como ecos do mundo que seduz, mas o verdadeiro alimento é a Verdade que transcende o imediato. A liberdade do ser não se define pelo domínio sobre reinos externos, mas pela entrega ao Amor que tudo ordena. Cada tentação reflete uma escolha entre o transitório e o eterno, entre a submissão à ordem superior e a fragmentação no ilusório. Quem se enraíza na Fonte inabalável não se curva às sombras passageiras.


HOMILIA

O Deserto e a Liberdade do Espírito

Amados irmãos e irmãs, o Evangelho de Lucas 4,1-13 nos conduz ao deserto, onde Cristo, guiado pelo Espírito, enfrenta as tentações que revelam a luta essencial do ser humano: a escolha entre a verdade e a ilusão. Hoje, em nossa era de inquietações e promessas fáceis, essa passagem ressoa como um chamado para discernirmos o caminho autêntico da liberdade.

Jesus, após quarenta dias de jejum, é confrontado pelo adversário que lhe propõe soluções imediatas: saciar a fome com pão, tomar o poder do mundo e provar sua força por um gesto espetacular. São tentações que transcendem o tempo, pois também nos visitam nos desafios diários. Vivemos em uma sociedade que frequentemente nos promete felicidade na satisfação material, segurança no controle sobre os outros e reconhecimento na exibição pública. No entanto, a resposta de Cristo nos ensina que o ser não se reduz ao que possui, ao que governa ou ao que impressiona.

A primeira tentação fala da necessidade. “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se torne pão.” Quem de nós não experimenta a fome – não apenas física, mas a fome de sentido, de afeto, de realização? Mas Jesus nos lembra que “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra de Deus.” Há um alimento mais profundo que sustenta a alma e nos torna verdadeiramente livres: a verdade que nos habita e que só se revela no silêncio e na busca sincera.

A segunda tentação nos apresenta o poder. “Se me adorares, tudo será teu.” Vivemos tempos em que muitos acreditam que a grandeza está em dominar, em impor-se, em acumular influência. Mas Jesus recusa esse caminho, pois sabe que a grandeza autêntica não está na posse, mas na comunhão com a fonte da vida. O verdadeiro poder não é aquele que subjuga, mas o que liberta e ilumina.

A terceira tentação desafia a confiança. “Lança-te daqui abaixo, pois está escrito que os anjos te sustentarão.” Em um mundo onde a imagem e a validação externa parecem definir o valor de cada um, somos tentados a provar quem somos por meio do espetáculo, da aprovação alheia. Mas Jesus nos ensina que nossa identidade não precisa ser provada diante dos homens, pois já é plena diante do Pai.

O deserto é, portanto, um lugar de revelação. Não é uma ausência, mas uma plenitude que se revela quando silenciamos as vozes do medo, da ambição e da vaidade. Cristo nos mostra que a verdadeira liberdade não está em ceder às promessas fáceis, mas em permanecer enraizados naquilo que é eterno.

Diante dos desafios de hoje, que possamos reconhecer que nosso valor não está no que possuímos, mas no que somos; que a grandeza não reside em dominar, mas em servir; e que a plenitude não vem do espetáculo, mas da fidelidade à verdade que nos chama à comunhão. Assim, fortalecidos pela luz que jamais se apaga, caminhamos, como Cristo, rumo à renovação que nos conduz à verdadeira vida.


EXPLICAÇÃPO TEOLÓGICA

"Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás" (Lc 4,8): A Plenitude da Fidelidade e da Liberdade

A resposta de Cristo à tentação do poder terreno sintetiza o eixo central da relação humana com Deus: a adoração e o serviço como expressão de uma liberdade plenamente realizada. Jesus não apenas repele a proposta do adversário, mas reafirma o princípio fundamental que ordena a existência: somente Deus é digno de adoração e somente a Ele se deve o serviço. Essa afirmação carrega uma profundidade teológica que pode ser compreendida a partir de três dimensões: a ontológica, a ética e a escatológica.

1. Dimensão Ontológica: Deus como Fonte do Ser

Ao dizer “Adorarás o Senhor teu Deus”, Jesus declara que Deus é o único absoluto, a realidade última na qual tudo encontra fundamento. O ser humano, criado à imagem do Criador, só encontra sua verdadeira identidade quando orientado para Ele. Qualquer tentativa de desviar essa adoração para outro fim – seja o poder, o prazer ou a própria autonomia desordenada – conduz à fragmentação do ser. O ato de adorar não é meramente um gesto religioso, mas uma necessidade ontológica: ao reconhecer Deus como único digno de adoração, o homem se coloca em harmonia com a estrutura da realidade.

2. Dimensão Ética: O Serviço como Caminho de Plenitude

O segundo trecho, “e só a Ele servirás”, implica que a única forma legítima de serviço é aquela que se volta para Deus. Servir a Deus significa ordenar todas as ações segundo a verdade e a justiça, não segundo interesses passageiros ou promessas ilusórias. Esse serviço não é uma submissão escravizante, mas a expressão mais autêntica da liberdade, pois somente na relação com Deus a liberdade se torna plena. Toda vez que o ser humano se submete a algo inferior a Deus – seja a idolatria do poder, a busca desenfreada pelo domínio ou a obediência cega a sistemas opressivos – ele se afasta da sua vocação original e perde a integridade do seu ser.

3. Dimensão Escatológica: A Direção da História

A recusa de Cristo em aceitar a glória terrena em troca de um culto ilegítimo revela a lógica do Reino de Deus. Diferente dos reinos humanos, que se estruturam pelo acúmulo de poder e controle, o Reino que Cristo anuncia é edificado sobre o amor e a fidelidade. A história da humanidade é uma tensão entre essas duas realidades: o mundo que se propõe a tomar o lugar de Deus e a verdade que clama por sua restauração. Ao afirmar que somente Deus deve ser servido, Jesus antecipa a consumação última da criação, onde tudo será plenamente reconciliado Nele.

Conclusão: O Caminho de Cristo e o Chamado à Humanidade

A resposta de Jesus no deserto não é apenas uma refutação de uma tentação pessoal, mas um ensinamento universal. Ele revela que a única relação legítima do homem com a verdade é a adoração a Deus, e que o verdadeiro serviço não está em submeter-se a poderes passageiros, mas em viver segundo a ordem divina. Esse princípio é tão válido nos tempos bíblicos quanto hoje: a cada instante, a humanidade é chamada a escolher entre a ilusão do domínio e a verdade da comunhão. Seguir Cristo é reconhecer que apenas Deus é digno da totalidade de nosso ser, e que somente Nele encontramos a verdadeira liberdade.

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

Leia também:

Primeira Leitura

Segunda Leitura

Salmo

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