Liturgia Diária20 – QUINTA-FEIRA
2ª SEMANA DA QUARESMA
(roxo – ofício do dia)
Provai-me, ó Deus, e conhecei meus pensamentos: vede se ando pela vereda do mal e conduzi-me no caminho da eternidade (Sl 138,23s).
A plenitude do ser manifesta-se na confiança no princípio supremo, onde a liberdade interior floresce em frutos que elevam a existência dos outros. A obsessão pelo efêmero obscurece a percepção do essencial, desviando o olhar da dignidade alheia e limitando a expansão da virtude. Somente na consciência desperta, que reconhece a inviolabilidade do outro, encontra-se a verdadeira prosperidade, não imposta, mas escolhida. Celebramos, assim, o chamado à transformação interior, onde cada ato voluntário em direção ao bem reflete a comunhão entre autonomia e justiça, pois a grandeza autêntica não se mede pela posse, mas pela livre generosidade do espírito.
Evangelium secundum Lucam 16,19-31
19 Homo quidam erat dives, qui induebatur purpura et bysso, et epulabatur quotidie splendide.
Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino, e banqueteava-se magnificamente todos os dias.
20 Et erat quidam mendicus, nomine Lazarus, qui jacebat ad januam ejus, ulceribus plenus,
E havia um mendigo chamado Lázaro, que jazia à sua porta, coberto de chagas,
21 Cupens saturari de micis, quæ cadebant de mensa divitis, sed et canes veniebant, et lingebant ulcera ejus.
Desejando saciar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e até os cães vinham lamber-lhe as feridas.
22 Factum est autem ut moreretur mendicus, et portaretur ab Angelis in sinum Abrahæ. Mortuus est autem et dives, et sepultus est in inferno.
Aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado no inferno.
23 Elevans autem oculos suos, cum esset in tormentis, vidit Abraham a longe, et Lazarum in sinu ejus:
E, levantando os olhos, estando em tormentos, viu ao longe Abraão e Lázaro em seu seio.
24 Et ipse clamans, dixit: Pater Abraham, miserere mei, et mitte Lazarum, ut intingat extremum digiti sui in aquam, ut refrigeret linguam meam, quia crucior in hac flamma.
E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim e envia Lázaro, para que molhe a ponta do seu dedo em água e refresque a minha língua, porque sofro tormentos nesta chama.
25 Et dixit illi Abraham: Fili, recordare quia recepisti bona in vita tua, et Lazarus similiter mala: nunc autem hic consolatur, tu vero cruciaris.
Mas Abraão disse-lhe: Filho, lembra-te de que recebeste bens em tua vida, e Lázaro, ao contrário, males; agora, porém, ele é consolado, e tu, atormentado.
26 Et in his omnibus inter nos et vos chaos magnum firmatum est: ut hi, qui volunt hinc transire ad vos, non possint, neque inde huc transmeare.
E, além disso, entre nós e vós foi estabelecido um grande abismo, de modo que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem os de lá atravessar até nós.
27 Et ait: Rogo ergo te, pater, ut mittas eum in domum patris mei:
E disse ele: Rogo-te, pois, pai, que o envies à casa de meu pai,
28 Habeo enim quinque fratres, ut testetur illis, ne et ipsi veniant in hunc locum tormentorum.
Porque tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormentos.
29 Et ait illi Abraham: Habent Moysen et Prophetas: audiant illos.
Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos.
30 At ille dixit: Non, pater Abraham: sed si quis ex mortuis ierit ad eos, pœnitentiam agent.
Ele, porém, respondeu: Não, pai Abraão; mas se algum dos mortos for até eles, arrepender-se-ão.
31 Ait autem illi: Si Moysen et Prophetas non audiunt, neque si quis ex mortuis resurrexerit, credent.
Mas ele lhe disse: Se não ouvem Moisés e os Profetas, tampouco acreditarão, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.
Reflexão:
Dixit autem illi Abraham: Fili, recordare quia recepisti bona in vita tua, et Lazarus similiter mala: nunc autem hic consolatur, tu vero cruciaris.
Mas Abraão disse-lhe: Filho, lembra-te de que recebeste bens em tua vida, e Lázaro, ao contrário, males; agora, porém, ele é consolado, e tu, atormentado. (Lc 16:25)
O caminho para a plenitude não se edifica sobre acúmulos estéreis, mas na abertura à alteridade. A liberdade autêntica não é negação do outro, mas escolha consciente de reconhecer sua dignidade. O rico, preso ao efêmero, não percebeu que a grandeza reside na reciprocidade do bem. O abismo entre ele e Lázaro não foi imposto, mas gerado por suas próprias decisões. Quem fecha os olhos ao essencial não é convencido nem por milagres. A justiça não é um castigo, mas a revelação de cada escolha. Pois aquele que se isola em si mesmo perde o sentido mais profundo da existência.
HOMILIA
A Responsabilidade da Liberdade e o Destino da Alma
Amados, contemplamos hoje uma parábola que ilumina a profundidade do destino humano. O rico e Lázaro não são apenas personagens de um relato moral, mas sinais de uma realidade maior, onde cada escolha reverbera na eternidade. O rico, encerrado em sua autossuficiência, viveu apenas para o imediato, enquanto Lázaro, na privação, aguardava silenciosamente o que não perece.
A liberdade nos concede o poder de construir o nosso ser. Não há imposição exterior que determine nossa jornada; são nossas ações que moldam o horizonte de nossa existência. O rico não foi condenado por sua prosperidade, mas pelo fechamento de sua alma, pela recusa em ver além de si mesmo. A grande separação entre ele e Lázaro não foi um decreto arbitrário, mas a consequência natural de sua própria escolha: viver como se nada além do tangível existisse.
O tempo da vida não é apenas uma sucessão de instantes, mas um campo de crescimento do espírito. Cada ato de generosidade fortalece os laços que nos unem ao destino último, enquanto a indiferença nos isola num vazio interior. A alma que se alimenta apenas do transitório torna-se incapaz de reconhecer o que é verdadeiro, e mesmo um milagre não a despertaria.
A voz de Abraão ressoa como um chamado ao discernimento: aquele que não percebe a verdade nas pequenas coisas tampouco a reconhecerá diante do extraordinário. Não há imposição externa para a elevação do ser, mas uma construção íntima, na qual a liberdade encontra sua mais alta realização no reconhecimento do outro.
Que o olhar se abra ao essencial e o coração compreenda que a verdadeira grandeza não reside no que se acumula, mas naquilo que se torna. Pois somente aquele que se dá encontra-se plenamente.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A Lei da Justiça e a Verdade do Ser
A resposta de Abraão ao rico não é apenas uma explicação sobre a mudança de destinos, mas uma revelação da ordem espiritual que rege a existência. Neste versículo, encontramos a manifestação de um princípio fundamental: cada ser se define por suas escolhas e pelo modo como se relaciona com a verdade.
O Rico e a Ilusão da Autossuficiência
O homem rico viveu como se o mundo visível fosse a totalidade do real. Cercado de bens, ele não apenas os possuía, mas se deixou possuir por eles. Sua falha não foi a prosperidade em si, mas sua total dependência do transitório, tornando-o incapaz de perceber a presença de Deus e do outro. Seu tormento na eternidade não é um castigo arbitrário, mas a consequência de um fechamento existencial: ele edificou sua vida sobre o efêmero, e ao deixar este mundo, nada mais lhe restava.
Lázaro e a Abertura ao Absoluto
Lázaro, por sua vez, é a imagem daquele que, na privação, aprende a esperar no que não passa. Seu sofrimento terreno não o define; pelo contrário, ele se mantém aberto ao mistério do ser e, por isso, encontra a plenitude na eternidade. A consolação que recebe não é uma recompensa automática por sua dor, mas a consequência natural de um coração que permaneceu voltado para aquilo que transcende.
A Justiça de Deus e a Verdade da Alma
O que Abraão declara ao rico não é um simples ajuste de contas, mas a manifestação de um princípio espiritual: cada alma caminha em direção ao seu próprio destino conforme aquilo que ama e busca. O juízo divino não é uma imposição externa, mas a revelação daquilo que cada ser preparou dentro de si. O rico, que viveu voltado apenas para si mesmo, encontra agora o isolamento definitivo. Lázaro, que permaneceu na esperança, entra na comunhão plena.
O Chamado à Consciência e à Liberdade
A parábola nos ensina que o tempo presente é o espaço da escolha. Enquanto caminhamos neste mundo, somos chamados a direcionar nossa existência para o que é verdadeiro. A liberdade nos foi dada não para a autossuficiência, mas para o crescimento no amor. No final, não há um mero equilíbrio de bens e males, mas a revelação do que cada alma se tornou. Pois quem se fecha sobre si mesmo já inicia seu exílio espiritual, e quem se abre ao outro já antecipa a plenitude que não tem fim.
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