quarta-feira, 5 de março de 2025

LITURGIA E HOMILIA DIÁRIA - Evangelho: Mateus 9:14-15 - 07.03.2025

 Liturgia Diária


7 – SEXTA-FEIRA 

DEPOIS DAS CINZAS


(roxo – ofício do dia)


Escutai-me, Senhor Deus, tende piedade! Sede, Senhor, meu abrigo protetor! (Sl 29,11)


O jejum transcende a privação material e se eleva como disciplina da vontade, uma afirmação da soberania do espírito sobre as imposições do mundo. Ele não se reduz a um rito, mas se revela como manifestação da consciência que busca autodeterminação e elevação interior. Neste ciclo de renovação, ele se torna símbolo da jornada rumo à plenitude, um exercício de autonomia na busca pela verdade. Assim, na preparação para a ressurreição da luz interior, o jejum se apresenta como ato de liberdade, onde cada renúncia é a afirmação da dignidade da alma em sua ascensão ao princípio supremo.



Evangelium secundum Matthaeum 9,14-15

14 Tunc accesserunt ad eum discipuli Joannis, dicentes: Quare nos et pharisæi jejunamus frequenter, discipuli autem tui non jejunant?
Então, aproximaram-se dele os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus frequentemente, mas os teus discípulos não jejuam?

15 Et ait illis Jesus: Numquid possunt filii sponsi lugere, quamdiu cum illis est sponsus? Venient autem dies cum auferetur ab eis sponsus, et tunc jejunabunt.
E disse-lhes Jesus: Podem, acaso, os filhos do esposo entristecer-se enquanto o esposo está com eles? Dias virão, porém, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão.

Reflexão:

"Venient autem dies cum auferetur ab eis sponsus, et tunc jejunabunt."
"Dias virão, porém, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão." (Mateus 9,15)

Essa passagem revela a transição entre a presença e a ausência do esposo, simbolizando a consciência do tempo propício para a comunhão e o tempo da busca interior, em que o jejum se torna um ato de livre ascensão do espírito.

No fluxo da existência, há momentos de plenitude e momentos de busca. Quando a verdade se faz presente, o espírito se alimenta diretamente de sua luz, sem necessidade de privação. Mas quando essa presença parece oculta, a consciência desperta para a responsabilidade de elevar-se por si mesma, libertando-se das sombras da inércia. O jejum, então, não é uma imposição, mas uma escolha consciente, um ato de vontade que afirma a autonomia do ser em sua trajetória para o horizonte último, onde a plenitude não será mais uma promessa, mas uma realidade inteiramente alcançada.


HOMILIA

O Tempo da Plenitude e o Tempo da Busca

Amados peregrinos da verdade, o Evangelho de hoje nos coloca diante de uma questão essencial da existência: o equilíbrio entre a presença e a ausência, entre o tempo da celebração e o tempo da busca. Os discípulos de João se perguntam por que jejuam, enquanto os seguidores de Cristo parecem isentos dessa prática. E a resposta do Mestre revela uma profunda realidade: há momentos em que a luz se faz presente e nos nutre diretamente, e há momentos em que sua aparente ausência nos convida a um esforço consciente para encontrá-la.

Em nossa era, vivemos tempos de grande aceleração, onde a busca por respostas instantâneas e soluções rápidas obscurece o valor da espera e da preparação. Aprendemos a saciar nossas necessidades imediatas, mas, ao fazê-lo, muitas vezes negligenciamos o espaço necessário para a interioridade, para o amadurecimento do ser. O jejum que Jesus menciona não se limita à renúncia alimentar; ele se expande como símbolo de uma escolha livre e consciente de afastar-se do supérfluo para permitir que a essência brilhe com maior clareza.

Nossa sociedade enfrenta desafios imensos: a fragmentação das relações, o vazio disfarçado de excesso, a inquietação de um mundo que corre sem saber para onde. Mas também há virtudes, pois nunca houve tanto acesso à consciência da dignidade humana, nunca estivemos tão próximos de reconhecer que a liberdade não é mero direito, mas vocação. No entanto, a verdadeira liberdade não é fazer tudo o que queremos, mas direcionar nossa vontade ao que verdadeiramente nos realiza.

Assim, o jejum, entendido em sua profundidade, torna-se um ato de soberania do espírito. Não uma imposição externa, mas uma decisão interna de elevar-se, de transformar ausência em desejo autêntico, de converter privação em ascensão. Como Cristo nos ensina, quando o esposo está presente, há plenitude; mas quando nos parece distante, cabe a nós buscá-lo com determinação.

Que estejamos atentos ao tempo da celebração e ao tempo da busca. Que saibamos reconhecer a presença da verdade quando ela brilha, mas também aprender a jejuar das ilusões quando o silêncio se faz necessário. Pois é na liberdade da escolha consciente que o espírito encontra seu caminho para a luz.


EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA

A Ausência do Esposo e o Jejum como Caminho da Plenitude

A frase "Dias virão, porém, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão" (Mateus 9,15) carrega uma profundidade teológica que ultrapassa o contexto imediato dos discípulos de João Batista e dos fariseus. Jesus não apenas responde a uma questão sobre o jejum, mas revela uma dinâmica essencial da relação entre Deus e a humanidade, entre plenitude e privação, entre presença e busca.

1. O Esposo como Símbolo da Plenitude Divina

Na tradição bíblica, a imagem do esposo é recorrente para expressar a relação entre Deus e seu povo (Os 2,16-22; Is 54,5-8). Jesus se apresenta como o verdadeiro Esposo, aquele que sela a nova e definitiva aliança, oferecendo não mais uma lei externa, mas a comunhão plena com Ele. Enquanto Ele está presente, seus discípulos vivem a experiência da intimidade divina, onde a privação não se faz necessária, pois a própria Fonte da Vida caminha com eles.

Porém, sua presença física não será permanente. Ele será "tirado", referindo-se primariamente à sua paixão e morte. Mas esse afastamento não é apenas um evento histórico: simboliza também os momentos em que a humanidade experimenta a ausência sensível de Deus, a aparente retirada da graça, o tempo da prova e da maturação espiritual.

2. O Jejum como Caminho de Busca e Elevação

O jejum, então, aparece como a resposta adequada a essa ausência. Ele não é uma simples privação, mas um movimento de interiorização e transcendência. Quando o esposo está presente, a alegria é espontânea; quando ele se retira, o discípulo é chamado a aprofundar sua sede por Ele. Esse "jejum" pode ser entendido em múltiplos níveis:

  • Jejum físico: A privação do alimento como um exercício de desapego e de domínio da vontade, preparando a alma para uma comunhão mais profunda.
  • Jejum interior: A experiência do silêncio, da espera, da purificação das afeições, onde o crente aprende a desejar Deus não apenas pelos dons que recebe, mas por Ele mesmo.
  • Jejum existencial: O tempo de provação e aridez espiritual em que a alma é chamada a perseverar na busca, sem apoios sensíveis, caminhando na fé pura.

Esse jejum não é apenas uma resposta passiva à perda, mas uma ascensão da liberdade do discípulo, que, ao experimentar a ausência, decide elevar-se na busca do reencontro com o Absoluto.

3. O Esposo Não é Definitivamente Tirado, Mas Oculto

O afastamento do Esposo não é um abandono definitivo. Ele ressuscita, mas sua presença já não é física como antes. Ele se torna presente de maneira nova: no Espírito Santo, na Eucaristia, na Igreja, na interioridade do crente. O jejum, então, torna-se um aprendizado do olhar: um exercício para reconhecer sua presença velada, para amadurecer o amor, que já não se baseia na evidência, mas na fidelidade.

A dinâmica dessa frase resume a jornada da alma: há momentos de plenitude em que a presença divina é clara e sensível, e há momentos de noite e jejum, onde a fé é purificada e elevada. Assim, a espiritualidade cristã se constrói na oscilação entre a festa e a espera, entre a plenitude e o jejum, até que chegue o dia definitivo, onde o Esposo será plenamente revelado e já não haverá mais necessidade de jejuar.

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

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