Liturgia Diária
28 – SEXTA-FEIRA
3ª SEMANA DA QUARESMA
(roxo – ofício do dia)
Não existe entre os deuses nenhum que convosco se possa igualar; sois tão grande e fazeis maravilhas: vós somente sois Deus e Senhor! (Sl 85,8.10)
Na Quaresma, contemplamos a liberdade do espírito na busca pela verdade que une o divino e o humano. O amor, força que transcende imposições externas, revela-se na escolha consciente de honrar tanto o princípio transcendente quanto a dignidade do outro. Assim como o orvalho desce sem coação, a graça manifesta-se onde há abertura para o bem, impulsionando a ação virtuosa. A autenticidade da fé não reside em ritos vazios, mas na coerência entre o que professamos e o que realizamos, pois somente na harmonia entre convicção e ação o ser encontra sua plenitude e participa da ordem eterna.
Evangelium: Marcus 12,28-34
28 Et accedens unus de scribis, qui audierat illos conquirentes, videns quoniam bene illis responderit, interrogavit eum quod esset primum omnium mandatum.
E aproximando-se um dos escribas, que os ouvira disputar, vendo que bem lhes respondera, perguntou-lhe qual era o primeiro de todos os mandamentos.
29 Jesus autem respondit ei: Quia primum omnium mandatum est: Audi Israël, Dominus Deus noster, Dominus unus est:
Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.
30 Et diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo, et ex tota anima tua, et ex tota mente tua, et ex tota virtute tua. Hoc est primum mandatum.
E amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua mente e de todas as tuas forças. Este é o primeiro mandamento.
31 Secundum autem simile est illi: Diliges proximum tuum tamquam teipsum. Majus horum aliud mandatum non est.
E o segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.
32 Et ait illi scriba: Bene, Magister, in veritate dixisti, quia unus est Deus, et non est alius præter eum.
E o escriba lhe disse: Muito bem, Mestre, disseste com verdade que Deus é um só e não há outro além dele.
33 Et ut diligatur ex toto corde, et ex toto intellectu, et ex tota anima, et ex tota fortitudine, et diligere proximum tamquam seipsum, majus est omnibus holocautomatibus et sacrificiis.
E que amá-lo de todo o coração, de todo o entendimento, de toda a alma e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, é mais do que todos os holocaustos e sacrifícios.
34 Jesus autem videns quod sapienter respondisset, dixit illi: Non es longe a regno Dei. Et nemo jam audebat eum interrogare.
Jesus, vendo que respondera sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do Reino de Deus. E ninguém mais ousava interrogá-lo.
Reflexão:
"Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo, et ex tota anima tua, et ex tota mente tua, et ex tota virtute tua."
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua mente e de toda a tua força.” (Mc 12:30)
Essa passagem expressa o mandamento fundamental de Jesus, que une o ser humano à Verdade suprema por meio do amor absoluto, tornando-se a base da ordem moral e espiritual.
O amor não se impõe, mas floresce onde há consciência e escolha. Amar a Deus de todo o ser não significa submeter-se a uma força externa, mas alinhar-se à verdade que sustenta todas as coisas. O amor ao próximo nasce dessa mesma liberdade interior, pois reconhecer a dignidade do outro é afirmar a própria plenitude. A essência da existência não está nos ritos, mas na coerência entre pensamento e ação. Assim, não há separação entre o sagrado e o humano: amar é integrar-se à ordem que conduz à realização plena do espírito e à comunhão com o princípio eterno.
HOMILIA
O Amor como Plenitude da Existência
No Evangelho de Marcos (12,28-34), um escriba aproxima-se de Jesus com uma questão essencial: qual é o primeiro de todos os mandamentos? E a resposta do Mestre não é uma simples norma, mas uma revelação da própria estrutura da realidade: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua mente e de toda a tua força." E, sem que lhe fosse perguntado, Jesus acrescenta: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo."
Estas palavras não são um mero preceito moral, mas a chave que alinha o ser humano ao princípio que sustenta todas as coisas. O amor não é uma virtude isolada, mas a potência unificadora que permite que cada ser atinja sua plenitude. Amar a Deus não significa apenas reconhecê-Lo como origem de tudo, mas orientarmo-nos inteiramente para Ele, permitindo que nossa inteligência, vontade e liberdade encontrem seu propósito mais elevado.
O segundo mandamento, inseparável do primeiro, não reduz o amor ao próximo a um sentimento passageiro ou a uma exigência social. Amar o outro como a si mesmo é compreender que nossa existência só se realiza plenamente quando reconhecemos no outro um chamado à comunhão. Não se trata de anular a individualidade, mas de expandi-la, pois o verdadeiro amor engrandece tanto quem ama quanto quem é amado.
Quando Jesus diz ao escriba que ele não está longe do Reino de Deus, aponta para uma verdade profunda: o Reino não é uma realidade imposta de fora, mas algo que se aproxima na medida em que nos sintonizamos com a verdade última do amor. A plenitude do ser humano não está na posse, no domínio ou na segurança exterior, mas na liberdade de amar sem reservas, reconhecendo no amor a lei suprema que governa toda a existência.
Quem compreende esta verdade e a vive não apenas se aproxima do Reino, mas já começa a experimentá-lo. Pois amar plenamente é encontrar-se na convergência última de todas as coisas, onde o coração, a alma, a mente e a força não são mais elementos dispersos, mas um só movimento em direção à origem e ao destino de tudo o que existe.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A Plenitude do Amor a Deus como Fundamento do Ser
A frase pronunciada por Jesus em Marcos 12,30 — "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua mente e de toda a tua força" — não é apenas um mandamento, mas a revelação da estrutura ontológica do amor que vincula o ser humano ao Absoluto. Esse amor não é um preceito externo, imposto arbitrariamente, mas a resposta natural do homem à realidade divina que sustenta sua existência.
1. O Coração: O Centro da Vontade e do Desejo
O "coração" na linguagem bíblica não se reduz à sede dos sentimentos, mas representa o centro da vontade, onde as decisões são tomadas e onde os afetos e intenções são ordenados. Amar a Deus "de todo o coração" significa submeter a própria vontade ao princípio supremo da Verdade e do Bem, conformando-se ao desígnio divino. Esse amor não é fragmentado ou vacilante, mas absoluto, pois o coração não pode servir a dois senhores (Mt 6,24).
2. A Alma: O Princípio da Vida e da Existência
A "alma" (ψυχή – psychḗ), no contexto bíblico, é o princípio vital, a própria vida do ser humano. Amar a Deus "de toda a tua alma" significa reconhecer que a existência não tem sentido autônomo, mas é sustentada e orientada por Deus. Esse amor implica entrega total, pois "quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, salvá-la-á" (Mc 8,35). O verdadeiro amor a Deus não teme a doação total, pois sabe que a vida só encontra sua plenitude quando é oferecida em comunhão com a Fonte da Vida.
3. A Mente: A Inteligência como Caminho para Deus
A "mente" (διάνοια – diánoia) é a capacidade de compreender, refletir e discernir. Amar a Deus "de toda a tua mente" implica integrar a inteligência no ato de amor, reconhecendo que todo conhecimento autêntico conduz ao Criador. A verdade não é apenas um conceito abstrato, mas uma Pessoa (Jo 14,6), e o intelecto humano encontra sua realização máxima quando se alinha ao Logos divino. O amor que não envolve a razão pode degenerar em sentimentalismo, enquanto a razão sem amor pode se tornar fria e estéril.
4. A Força: O Amor Como Ação e Testemunho
A "força" (ἰσχύς – ischýs) representa a dimensão ativa do amor, o empenho concreto da existência. Amar a Deus "de toda a tua força" significa que esse amor deve traduzir-se em ação, em obras visíveis que manifestam a realidade do Reino. Não basta apenas sentir ou compreender; é necessário agir, pois "a fé sem obras é morta" (Tg 2,26). A força do amor expressa-se no testemunho, no sacrifício e na perseverança diante das adversidades.
Conclusão: O Amor Como Unidade Dinâmica
Os quatro aspectos mencionados por Jesus não devem ser vistos como compartimentos isolados, mas como dimensões integradas do amor total. O coração ordena os afetos, a alma entrega-se plenamente, a mente ilumina a jornada e a força concretiza o amor em obras.
Amar a Deus assim é, na verdade, um movimento de retorno ao princípio originário da existência. Quanto mais o ser humano se doa nesse amor, mais se encontra consigo mesmo, pois "quem ama permanece em Deus, e Deus nele" (1Jo 4,16). É nesse amor total que o homem se torna verdadeiramente livre e atinge a plenitude para a qual foi criado.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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