Liturgia Diária
5 – QUARTA-FEIRA
CINZAS
(dia de jejum e abstinência)
(roxo, prefácio da Quaresma IV – ofício do dia da 4ª semana do saltério)
Ó Deus, vós tendes compaixão de todos e não rejeitais nada que criastes; fechais os olhos aos seus pecados por causa da penitência e os perdoais, porque sois o Senhor nosso Deus (Sb 11,23.24.26).
Quarenta dias simbolizam a jornada da consciência em direção à plenitude. A travessia não é apenas ritual, mas um chamado à expansão do ser, à renovação interior que liberta. O convite à conversão não é imposição, mas descoberta da verdade que já habita em nós. Contemplar a harmonia da Criação é reconhecer que o valor das coisas não é decretado, mas revelado na liberdade do olhar desperto. Que este tempo seja vivenciado não como obrigação, mas como oportunidade de elevar-se, reconciliar-se com a existência e afirmar, na própria vida, o princípio sagrado do bem.
Evangelium secundum Matthaeum 6,1-6.16-18
1 Attendite ne iustitiam vestram faciatis coram hominibus, ut videamini ab eis; alioquin mercedem non habebitis apud Patrem vestrum, qui in caelis est.
Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles; do contrário, não tereis recompensa junto a vosso Pai, que está nos céus.
2 Cum ergo facis eleemosynam, noli tuba canere ante te, sicut hypocritae faciunt in synagogis et in vicis, ut honorificentur ab hominibus. Amen dico vobis: Receperunt mercedem suam.
Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa.
3 Te autem faciente eleemosynam, nesciat sinistra tua quid faciat dextera tua,
Mas, ao dares esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita,
4 ut sit eleemosyna tua in abscondito, et Pater tuus, qui videt in abscondito, reddet tibi.
Para que a tua esmola seja em segredo; e teu Pai, que vê no oculto, te recompensará.
5 Et cum oratis, non eritis sicut hypocritae, qui amant in synagogis et in angulis platearum stantes orare, ut videantur ab hominibus. Amen dico vobis: Receperunt mercedem suam.
E quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nos cantos das praças para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa.
6 Tu autem cum orabis, intra in cubiculum tuum et, clauso ostio, ora Patrem tuum in abscondito; et Pater tuus, qui videt in abscondito, reddet tibi.
Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê no oculto, te recompensará.
16 Cum autem ieiunatis, nolite fieri sicut hypocritae tristes; demoliuntur enim facies suas, ut pareant hominibus ieiunantes. Amen dico vobis: Receperunt mercedem suam.
Quando jejuardes, não tomeis um semblante triste, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para parecerem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa.
17 Tu autem, cum ieiunas, unge caput tuum et faciem tuam lava,
Tu, porém, quando jejuares, unge tua cabeça e lava teu rosto,
18 ne videaris hominibus ieiunans, sed Patri tuo, qui est in abscondito; et Pater tuus, qui videt in abscondito, reddet tibi.
Para que não pareças aos homens estar jejuando, mas a teu Pai, que está no oculto; e teu Pai, que vê no oculto, te recompensará.
Reflexão:
"Tu autem cum orabis, intra in cubiculum tuum et, clauso ostio, ora Patrem tuum in abscondito; et Pater tuus, qui videt in abscondito, reddet tibi."
"Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê no oculto, te recompensará." (Mateus 6,6)
Essa passagem ressalta a importância da oração íntima e sincera, longe da ostentação, reforçando a relação direta e pessoal com Deus.
O chamado à interioridade revela que a verdadeira transformação nasce no silêncio e na liberdade de cada consciência. Não há crescimento autêntico na busca por aprovação externa, pois a verdade floresce onde o olhar humano não alcança. Aquele que age no segredo do coração manifesta o impulso natural da alma para o bem, sem esperar reconhecimento. Esse caminho de aperfeiçoamento não se impõe, mas convida à escolha pessoal de alinhar-se à plenitude do ser. Assim, cada ato, oração ou sacrifício tornam-se sinais da luz que, oculta, ilumina todas as coisas.
HOMILIA
O Chamado ao Silêncio Interior e à Autenticidade
O Evangelho segundo Mateus (6,1-6.16-18) nos adverte contra a busca de reconhecimento humano na vivência da fé. Jesus nos convida a um caminho diferente, onde a autenticidade e o recolhimento interior são essenciais. Em um mundo marcado pela exposição incessante e pela necessidade de validação externa, essa mensagem ressoa com ainda mais força.
Vivemos em tempos em que as redes sociais e os espaços públicos transformam cada gesto em uma vitrine. A caridade, muitas vezes, se mistura ao desejo de aprovação, a espiritualidade se dilui na performance, e a busca por sentido corre o risco de ser sequestrada pela vaidade. Cristo, no entanto, nos aponta um caminho radicalmente diferente: a oração em segredo, a esmola sem alarde, o jejum sem ostentação. Ele nos ensina que a verdadeira transformação ocorre na interioridade, na liberdade daquele que não se escraviza pelo olhar alheio.
Esse chamado ao recolhimento não é um convite à fuga do mundo, mas à sua redenção. Não se trata de recusar o agir público, mas de resgatar sua autenticidade. Quem se encontra verdadeiramente consigo mesmo diante de Deus age no mundo não por necessidade de aplauso, mas porque compreendeu a grandeza do dom que é a existência. O Reino de Deus cresce no silêncio fecundo da alma e se manifesta na coerência das ações.
Se hoje a cultura da superficialidade ameaça dissolver a essência do ser humano, Jesus nos lembra que a verdadeira liberdade nasce no mais íntimo. Quem reconhece a si mesmo como parte de uma realidade maior não se deixa aprisionar por expectativas externas, mas age com verdade, responsabilidade e amor. O Pai, que vê no oculto, é aquele que sonda os corações e recompensa com aquilo que nada neste mundo pode oferecer: a plenitude de ser.
Que possamos, neste tempo de reflexão, redescobrir o valor do silêncio interior, da coerência e da liberdade que nasce quando nossa identidade não depende do olhar do mundo, mas do chamado divino que ecoa no mais profundo de nós.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
O Mistério da Oração no Oculto
A exortação de Jesus em Mateus 6,6 revela a essência mais pura da relação entre o homem e Deus: um encontro que se dá no interior da alma, longe das distrações do mundo e das expectativas externas. A frase apresenta três movimentos essenciais: entrar no quarto, fechar a porta e orar ao Pai no segredo. Cada um deles carrega um significado teológico profundo que ilumina a espiritualidade cristã.
1. "Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto"
O quarto simboliza o espaço mais íntimo da existência humana. Em um sentido literal, é o local de recolhimento, onde os ruídos do mundo são silenciados. Mas, espiritualmente, esse quarto é o interior do ser, o santuário da consciência onde a verdadeira oração acontece. Na tradição bíblica, Deus não habita templos feitos por mãos humanas (At 7,48), mas se revela no coração daquele que O busca. Entrar nesse quarto significa afastar-se das distrações, dos desejos desordenados e das preocupações que fragmentam a alma, para mergulhar na presença divina.
2. "Fecha a porta"
Fechar a porta é um gesto de separação. É necessário desligar-se das aparências, dos olhares alheios, das influências externas que moldam nossa identidade de maneira superficial. Esse fechamento não significa um isolamento egoísta, mas uma atitude de despojamento: renunciar à necessidade de aprovação, ao desejo de ser visto e reconhecido. O verdadeiro adorador não busca o olhar do mundo, mas se abandona no olhar de Deus.
Na espiritualidade dos Padres do Deserto, esse fechamento também representa a luta contra os pensamentos dispersos. A oração autêntica exige um coração unificado, livre da dispersão que a vida exterior impõe.
3. "Ora a teu Pai em segredo"
Aqui, Cristo nos ensina que Deus não está na ostentação da religiosidade, mas no segredo do coração. Esse segredo não se refere apenas a um lugar oculto, mas à dimensão mais profunda da relação com Deus: um encontro que não pode ser instrumentalizado para status ou reconhecimento.
Na tradição mística, esse segredo é o mistério da comunhão silenciosa com o Infinito. Deus não se revela no espetáculo, mas na profundidade do silêncio interior. "Elias não encontrou o Senhor no vento forte, no terremoto ou no fogo, mas na brisa suave" (1Rs 19,11-12). A oração verdadeira não é um discurso, mas um abandono confiante na presença divina.
4. "E teu Pai, que vê no oculto, te recompensará"
A recompensa de Deus não é material nem imediata. Não se trata de um benefício externo, mas da transfiguração interior daquele que ora com sinceridade. Aquele que entra no seu quarto e fecha a porta experimenta a paz que o mundo não pode dar (Jo 14,27), pois se encontra diante da única Presença que basta.
Essa recompensa também aponta para a realidade escatológica. No final dos tempos, o que foi oculto será revelado, e aqueles que buscaram a Deus no segredo serão plenamente saciados. A oração silenciosa já antecipa essa comunhão definitiva, onde Deus será "tudo em todos" (1Co 15,28).
Conclusão
A orientação de Jesus em Mateus 6,6 não é apenas um ensinamento sobre a prática da oração, mas uma chave para compreender a dinâmica da graça e da verdadeira liberdade espiritual. Oração não é um meio para impressionar os outros, mas um caminho para se perder no mistério divino e reencontrar-se transformado.
O homem moderno, imerso na cultura da exposição e da superficialidade, é chamado a redescobrir esse segredo: fechar a porta, calar o barulho exterior e voltar-se para o único olhar que realmente importa. No silêncio do quarto da alma, longe dos aplausos e das expectativas do mundo, Deus está à espera.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Leia também:
#evangelho #homilia #reflexão #católico #evangélico #espírita #cristão
#jesus #cristo #liturgia #liturgiadapalavra #liturgia #salmo #oração
#primeiraleitura #segundaleitura #santododia #vulgata
Gratidão !
ResponderExcluir