Liturgia Diária
24 – SEGUNDA-FEIRA
3ª SEMANA DA QUARESMA
(roxo – ofício do dia)
Minha alma desfalece de saudades e anseia pelos átrios do Senhor! Meu coração e minha carne rejubilam e exultam de alegria no Deus vivo! (Sl 83,3)
Esta celebração convida à busca consciente da plenitude, onde a liberdade do ser encontra sua essência na fonte inesgotável da Verdade. O princípio supremo não impõe barreiras nem condiciona sua luz, mas manifesta-se como oferta incondicional àqueles que o reconhecem. A existência não é limitada por imposições externas, mas orientada pelo desejo intrínseco de realização e transcendência. Assim, cada indivíduo, em sua singularidade, participa do desdobramento da realidade, harmonizando-se com a ordem absoluta. Neste fluxo, a consciência desperta para sua autonomia espiritual, nutrindo-se da fonte eterna e reconhecendo que a realização última reside na livre comunhão com o divino.
Evangelium secundum Lucam 4,24-30
24 Ait vero dico vobis, quia nemo propheta acceptus est in patria sua.
Em verdade vos digo que nenhum profeta é aceito em sua pátria.
25 In veritate dico vobis, multæ viduæ erant in diebus Eliæ in Israël, quando clausum est cælum annis tribus et mensibus sex, cum facta est fames magna in omni terra.
Em verdade vos digo que muitas viúvas havia em Israel nos dias de Elias, quando o céu se fechou por três anos e seis meses, e houve grande fome sobre toda a terra.
26 Et ad nullam illarum missus est Elias, nisi in Sarepta Sidoniæ, ad mulierem viduam.
E a nenhuma delas foi Elias enviado, senão a uma viúva em Sarepta de Sidônia.
27 Et multi leprosi erant in Israël sub Elisæo propheta : et nemo eorum mundatus est, nisi Naaman Syrus.
E muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o sírio.
28 Et repleti sunt omnes in synagoga ira, hæc audientes.
E todos na sinagoga, ouvindo essas palavras, ficaram cheios de ira.
29 Et surrexerunt, et ejecerunt illum extra civitatem : et duxerunt illum usque ad supercilium montis, supra quem civitas illorum erat ædificata, ut præcipitarent eum.
E, levantando-se, o expulsaram da cidade e o conduziram até o cume do monte sobre o qual sua cidade estava edificada, para o lançarem abaixo.
30 Ipse autem transiens per medium illorum, ibat.
Mas ele, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho.
Reflexão:
"Ait vero dico vobis, quia nemo propheta acceptus est in patria sua."
"Em verdade vos digo que nenhum profeta é aceito em sua pátria." (Lucas 4,24)
Essa afirmação de Jesus revela a dificuldade da humanidade em reconhecer a verdade quando ela se manifesta dentro de sua própria realidade.
A Verdade jamais se aprisiona às expectativas humanas, pois ela se manifesta onde sua luz encontra espaço para brilhar. O espírito livre não se submete às convenções que limitam sua expressão, mas caminha além das fronteiras do julgamento. Quem busca aprisionar a grandeza do Verbo na rigidez do costume encontra apenas a fuga do Eterno. Mas aquele que aceita a imprevisibilidade do sagrado descobre que a graça se dá onde é acolhida. O curso da revelação não obedece aos desejos do mundo, mas segue seu próprio caminho, indiferente às resistências, pois nada pode impedir o avanço da luz.
HOMILIA
O Caminho que Não se Detém
No silêncio da revelação, a verdade não se curva às limitações da percepção humana. Jesus, ao proclamar que nenhum profeta é aceito em sua pátria, desvela uma realidade perene: a resistência do mundo àquilo que desafia suas certezas. A luz, ao se manifestar, encontra aqueles que, habituados à penumbra, a rejeitam não por desconhecê-la, mas por temerem seu chamado.
Os exemplos de Elias e Eliseu apontam para a imprevisibilidade da graça. Ela não se submete às expectativas nem às convenções, mas age onde encontra espaço para se enraizar. A viúva de Sarepta e Naamã, o sírio, eram estrangeiros à promessa, mas, ao abrirem-se ao dom recebido, tornaram-se testemunhas vivas da liberdade divina. A escolha não é arbitrária, mas responde àquele que, sem restrições, acolhe a plenitude da verdade.
A ira dos que ouviam Jesus não brotou da incompreensão, mas da afronta ao orgulho que desejava delimitar a ação do Eterno. Queriam um Deus previsível, acessível apenas àqueles que se julgavam dignos. No entanto, o caminho da verdade não se detém diante das muralhas erguidas pela presunção humana. Ele atravessa o meio dos que o rejeitam e segue adiante, pois sua marcha não se submete a obstáculos.
Esse movimento é incessante e convida cada um a escolher: resistir por apego ao que é transitório ou avançar na direção da luz que não se apaga. A verdade não pertence a ninguém, mas é oferecida a todos. Só a aceita, porém, aquele que está disposto a abandonar as seguranças ilusórias e seguir o curso da existência para além das margens do conhecido.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A Rejeição do Profeta: A Dialética da Verdade e da Familiaridade
A afirmação de Jesus — "Em verdade vos digo que nenhum profeta é aceito em sua pátria" (Lc 4,24) — contém uma chave teológica profunda que revela a tensão entre a manifestação da verdade e a resistência daqueles que estão mais próximos dela. Essa realidade não se restringe ao contexto histórico de Nazaré, mas é uma constante na economia da revelação divina.
1. O Profeta e a Verdade que Perturba
O profeta não é apenas um anunciador do futuro, mas um porta-voz da verdade que transcende o tempo e as convenções humanas. Ele não fala em nome próprio, mas como aquele que transmite um chamado à conversão, à superação das limitações do pensamento humano e à adesão ao plano divino. No entanto, essa verdade não é confortável. Ela exige um rompimento com os esquemas estabelecidos e, por isso, encontra resistência justamente entre aqueles que mais deveriam reconhecê-la.
Jesus, ao proclamar essa sentença, insere-se na linhagem dos profetas rejeitados. Assim como Elias e Eliseu, citados logo em seguida (Lc 4,25-27), Ele também vê sua missão ser questionada por aqueles que esperavam um Messias conforme suas próprias concepções.
2. A Familiaridade que Gera Descrença
O paradoxo expresso na rejeição do profeta em sua própria pátria se relaciona com um fenômeno psicológico e espiritual: a dificuldade de reconhecer o extraordinário no ordinário. Os nazarenos conheciam Jesus desde sua infância. Para eles, Ele era "o filho de José" (Lc 4,22), alguém demasiado comum para que pudesse carregar a grandeza do enviado de Deus.
Esse preconceito nasce da ilusão de que a verdade deve sempre vir de fora, revestida de mistério e grandiosidade evidentes. Quando se manifesta na simplicidade e na proximidade do cotidiano, tende a ser ignorada. Assim, a rejeição de Jesus pelos seus conterrâneos não se deve à falta de sinais, mas à resistência em aceitar que Deus age também dentro daquilo que lhes parecia familiar.
3. A Dinâmica Espiritual da Rejeição
Essa recusa insere-se em um padrão recorrente na revelação divina. A história da salvação é marcada por uma tensão entre o chamado de Deus e a resposta do homem. Moisés enfrentou a resistência do próprio povo. Jeremias lamentou: "Desde o dia em que saí do ventre materno para ser profeta, tenho sido alvo de insultos e ultrajes" (Jr 20,8).
Isso nos leva a uma reflexão fundamental: a verdade muitas vezes é rejeitada não por falta de evidências, mas porque desafia as estruturas internas e externas daqueles que a recebem. O profeta não apenas anuncia, mas provoca um deslocamento, uma necessidade de sair do conforto das certezas e se abrir ao novo. Essa exigência gera medo, e o medo frequentemente se traduz em hostilidade.
4. Cristo: O Profeta que Segue seu Caminho
Diante dessa recusa, Jesus não força a aceitação. Ele não tenta convencer seus conterrâneos, nem ajusta sua mensagem para torná-la mais palatável. Pelo contrário, Ele reafirma o princípio da liberdade: a verdade se oferece, mas não se impõe. E então, "passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho" (Lc 4,30).
Essa atitude revela que a missão divina não pode ser contida pela rejeição humana. O caminho da revelação segue adiante, encontrando aqueles que, com coração aberto, são capazes de reconhecê-lo. A graça não se submete às barreiras criadas pelo orgulho ou pela limitação da mente humana.
Conclusão: O Convite à Abertura Espiritual
A rejeição do profeta em sua pátria não é apenas um fato histórico, mas um fenômeno espiritual que se repete na vida de cada pessoa. Quantas vezes a verdade nos visita disfarçada de simplicidade e não a reconhecemos? Quantas vezes nos apegamos às nossas concepções e fechamos os olhos para aquilo que nos convida a crescer?
Jesus nos ensina que a verdade é dinâmica e livre. Ela não se prende às expectativas humanas nem se acomoda à resistência dos corações endurecidos. A pergunta que permanece é: estaremos nós entre aqueles que a rejeitam por parecer demasiado próxima, ou entre os que, mesmo sem compreendê-la totalmente, abrem-se para recebê-la?
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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