Liturgia Diária
24 – SEGUNDA-FEIRA
7ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Confiei no vosso amor, Senhor. Meu coração, por vosso auxílio, rejubile, e que eu vos cante pelo bem que me fizestes! (Sl 12,6)
Imersos no fluxo incessante de manifestações e estímulos que emanam das correntes do mundo sensível, torna-se essencial ancorar o discernimento em princípios que transcendam a fugacidade das aparências. A verdadeira sabedoria não se reduz a meros ecos da multiplicidade, mas brota da Palavra divina, fonte primordial do conhecimento que ilumina o ser. A liturgia, como reflexo da ordem celeste, nos chama a haurir das águas cristalinas da Verdade, impulsionando-nos a erguer nossas moradas espirituais sobre os fundamentos perenes da fé e da contemplação.
Evangelium secundum Marcum 9,14-29
14 Et cum venisset ad discipulos suos, vidit turbam magnam circa eos, et scribas conquirentes cum illis.
E quando chegou aos discípulos, viu uma grande multidão ao redor deles e os escribas discutindo com eles.
15 Et confestim omnis populus videns eum, stupefactus est, et accurrentes salutabant eum.
E, imediatamente, toda a multidão, ao vê-lo, ficou admirada e, correndo, saudava-o.
16 Et interrogavit eos: Quid inter vos conquiritis?
E ele lhes perguntou: O que discutis entre vós?
17 Et respondens unus de turba, dixit: Magister, attuli filium meum ad te habentem spiritum mutum:
E, respondendo um da multidão, disse: Mestre, trouxe a ti meu filho, que tem um espírito mudo.
18 Qui ubicumque apprehenderit eum, allidit eum, et spumat, et stridet dentibus, et arescit: et dixi discipulis tuis ut ejicerent illum, et non potuerunt.
O qual, onde quer que o apanhe, derruba-o por terra, e ele espuma, range os dentes e fica rígido. E eu disse a teus discípulos que o expulsassem, e não puderam.
19 Qui respondens eis, dicit: O generatio incredula, quousque apud vos ero? quousque vos patiar? Afferte illum ad me.
E ele, respondendo-lhes, disse: Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos suportarei? Trazei-o a mim.
20 Et attulerunt eum. Et cum vidisset illum, statim spiritus conturbavit eum: et elisus in terram, volutabatur spumans.
E trouxeram-no. E quando viu a Jesus, imediatamente o espírito o agitou violentamente, e ele, caindo por terra, revolvia-se espumando.
21 Et interrogavit patrem ejus: Quantum temporis est ex quo hoc ei accidit? At ille ait: Ab infantia:
E perguntou ao pai dele: Há quanto tempo lhe acontece isso? E ele disse: Desde a infância.
22 Et frequenter eum in ignem et in aquas misit ut eum perderet: sed si quid potes, adjuva nos, misertus nostri.
E muitas vezes o lançou no fogo e na água para destruí-lo. Mas, se podes alguma coisa, ajuda-nos, tendo compaixão de nós.
23 Jesus autem ait illi: Si potes credere, omnia possibilia sunt credenti.
E Jesus disse-lhe: Se podes crer, tudo é possível ao que crê.
24 Et continuo exclamans pater pueri, cum lacrymis aiebat: Credo, Domine: adjuva incredulitatem meam.
E imediatamente o pai do menino, clamando com lágrimas, disse: Creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade.
25 Et cum videret Jesus concurrentem turbam, comminatus est spiritui immundo, dicens illi: Surde et mute spiritus, ego praecipio tibi, exi ab eo, et amplius non introeas in eum.
E quando Jesus viu que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito surdo e mudo, eu te ordeno: sai dele e nunca mais entres nele.
26 Et exclamans, et multum discerpens eum, exiit ab eo, et factus est sicut mortuus, ita ut multi dicerent: Quia mortuus est.
E ele, clamando e agitando-o violentamente, saiu dele. E ficou como morto, de tal modo que muitos diziam: Está morto.
27 Jesus autem tenens manum ejus, elevavit eum, et surrexit.
Mas Jesus, tomando-o pela mão, ergueu-o, e ele se levantou.
28 Et cum introisset in domum, discipuli ejus secreto interrogabant eum: Quare nos non potuimus ejicere eum?
E quando entrou em casa, seus discípulos perguntaram-lhe em particular: Por que não pudemos expulsá-lo?
29 Et dixit illis: Hoc genus in nullo potest exire, nisi in oratione et jejunio.
E ele lhes disse: Este tipo não pode sair senão pela oração e pelo jejum.
Reflexão:
"Jesus autem ait illi: Si potes credere, omnia possibilia sunt credenti."
"E Jesus disse-lhe: Se podes crer, tudo é possível ao que crê." (Mc 9:23)
O poder da transformação está na consciência que se abre ao Mistério. Aquele que hesita entre a dúvida e a fé encontra-se no limiar da ascensão. O Cristo revela que a libertação exige entrega total, pois somente na convergência entre súplica e disciplina a verdade se manifesta. O espírito que obscurece a visão cede ao impulso da oração que toca as raízes do ser. Assim, a realidade se expande para além dos limites do imediato, e o que parecia impossível se torna passagem para uma nova ordem. Acreditar é alinhar-se com o sentido oculto da existência, permitindo que a luz penetre onde antes havia sombra.
HOMILIA
A Fé que Desperta a Plenitude do Ser
Amados irmãos e irmãs, o Evangelho de hoje (Marcos 9,14-29) nos apresenta uma cena profundamente atual. Vemos um pai aflito, trazendo seu filho a Jesus, após ter experimentado a impotência dos discípulos diante do sofrimento do menino. Diante dessa dor, Jesus nos entrega uma das mais luminosas verdades: "Se podes crer, tudo é possível ao que crê" (Mc 9,23).
Nos dias de hoje, vivemos um paradoxo semelhante. A humanidade alcançou avanços extraordinários na ciência, na comunicação e no conhecimento, mas ainda tropeça em suas próprias incertezas. Somos como o pai daquele menino: queremos acreditar, mas carregamos a hesitação da dúvida. "Creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade!" (Mc 9,24) – esse grito ecoa no coração de muitos que buscam sentido em meio ao caos das inquietações modernas.
Jesus nos ensina que a fé não é uma fuga do real, mas a força que o transforma. O mundo de hoje nos convida a confiar apenas no visível, no que pode ser medido e calculado. No entanto, a verdadeira elevação do ser humano não ocorre apenas pelo acúmulo de conhecimento ou progresso técnico, mas pela sua capacidade de transcender, de tocar aquilo que não se limita ao imediato. O que impede nossa plenitude não são apenas os desafios externos, mas a cegueira interior que nos faz esquecer o essencial.
A resposta de Jesus aos discípulos revela a chave para essa transformação: "Este tipo não pode sair senão pela oração e pelo jejum" (Mc 9,29). A oração é a abertura do coração para a realidade maior que nos habita e nos chama. O jejum é o esvaziamento do supérfluo, o desapego das ilusões que nos impedem de ver com clareza. Somente quando cultivamos essa vigilância interior nos tornamos verdadeiramente livres para viver em plenitude.
O mundo precisa de homens e mulheres que tenham coragem de acreditar, não como quem ignora as dificuldades, mas como aqueles que sabem que a luz pode atravessar as trevas. Se hoje enfrentamos crises de sentido, divisões e angústias, é porque esquecemos que a fé não se resume a palavras, mas à transformação real do nosso olhar sobre o mundo e sobre nós mesmos. Quem crê não espera passivamente, mas age com a convicção de que a verdade se impõe por sua própria força.
Que possamos, como aquele pai, reconhecer nossas fragilidades sem nos rendermos a elas. Que nossa oração e nosso compromisso nos conduzam a uma fé viva, capaz de mover as montanhas da dúvida e abrir caminhos para uma humanidade reconciliada consigo mesma e com sua origem. Pois aquele que crê já participa da aurora de um mundo novo, onde tudo é possível.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A Força da Fé e a Plenitude da Possibilidade
A afirmação de Jesus em Marcos 9,23 — "Se podes crer, tudo é possível ao que crê." — carrega em si uma profundidade teológica que transcende a mera confiança subjetiva. Ele revela uma dinâmica espiritual em que a fé não é apenas um ato psicológico, mas uma participação ativa na própria realidade divina.
1. A Fé como Abertura à Graça
A fé, na perspectiva bíblica, não é um esforço humano isolado, mas uma resposta à iniciativa de Deus. Quando Jesus diz "Se podes crer", Ele não impõe uma condição arbitrária, mas convida o homem a alinhar sua consciência com a ordem superior da graça. O Pai, aflito pelo sofrimento de seu filho, oscila entre a dúvida e a esperança. Jesus não apenas exige fé, mas também suscita nela sua realização. A resposta imediata — "Creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade!" (Mc 9,24) — demonstra que a fé autêntica nasce da humildade daquele que reconhece sua insuficiência e se entrega à ação de Deus.
2. A Possibilidade como Participação no Poder Divino
A frase "tudo é possível ao que crê" não sugere um poder absoluto conferido ao homem, mas uma abertura do ser humano ao dinamismo divino. No contexto da teologia cristã, Deus é o fundamento de todas as possibilidades, pois n’Ele subsiste a plenitude do ser. Quando alguém crê verdadeiramente, ele se torna receptáculo da ação divina, permitindo que a realidade visível seja permeada por essa força. O milagre não é uma suspensão arbitrária das leis naturais, mas a manifestação da ordem mais profunda do ser, onde a criação responde à voz do Criador.
3. A Fé como Transformação do Olhar
A impossibilidade, do ponto de vista humano, é frequentemente uma limitação imposta pelo olhar fragmentado da existência. A fé, no entanto, expande essa percepção, tornando visível o que antes parecia inacessível. O apóstolo Paulo expressa essa ideia ao afirmar: "Andamos por fé, não por vista." (2Cor 5,7). Assim, a frase de Jesus não significa que a fé cria possibilidades inexistentes, mas que ela revela o potencial oculto na própria ordem da criação. O homem que crê não se limita ao imediato, mas enxerga além do véu das aparências.
4. A Convergência entre Fé e Obediência
A fé verdadeira implica uma adesão incondicional à vontade divina. Não se trata apenas de acreditar na possibilidade dos milagres, mas de conformar-se ao desígnio de Deus. A resposta de Jesus, portanto, deve ser lida à luz de sua própria entrega ao Pai: "Tudo é possível para ti, afasta de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, mas o que tu queres." (Mc 14,36). A fé autêntica não busca apenas modificar a realidade conforme os desejos humanos, mas submeter-se à Verdade última, confiando que o impossível se realiza dentro da lógica do amor divino.
5. A Fé e a Redenção da Humanidade
O episódio de Marcos 9 ocorre antes da Paixão de Cristo, mas já aponta para o mistério redentor. O que significa "tudo é possível ao que crê" diante do sofrimento, da morte e do mal? Significa que, na fé, até mesmo a cruz se transforma em caminho de vitória. O Cristo que declara essa verdade é o mesmo que, pela fé perfeita no Pai, vence o pecado e a morte. Assim, a promessa de que "tudo é possível" se cumpre plenamente na Ressurreição, onde a impotência da humanidade é absorvida pelo poder da vida divina.
Conclusão: O Chamado à Fé Plena
O ensinamento de Jesus em Marcos 9,23 não é um mero convite ao otimismo, mas uma revelação do nexo profundo entre fé e realidade. Aquele que crê não se limita às contingências da existência, mas entra na dinâmica do Reino, onde tudo se ordena segundo o desígnio divino. Se tudo é possível ao que crê, não porque o homem se torna onipotente, mas porque, pela fé, ele já participa da plenitude daquele que é a própria Verdade.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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