Liturgia Diária
13 – QUINTA-FEIRA
5ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Vinde, adoremos e prostremo-nos por terra, e ajoelhemo-nos ante o Deus que nos criou! Porque ele é o nosso Deus, nosso Pastor (Sl 94,6s).
No desdobramento do ato criador, Deus manifesta a complementaridade do ser ao conceder ao homem uma essência correlata, não como duplicação, mas como plenitude relacional. Assim, a mulher é chamada à existência como reflexo da alteridade sagrada, permitindo ao homem não apenas amar, mas reconhecer, no vínculo, a expressão de uma unidade originária que transcende o efêmero. Que esta liturgia nos conduza à fidelidade aos desígnios divinos, na fé e na entrega confiante daquela que, no Evangelho, acolhe a Verdade e nela se deixa transformar.
Evangelium secundum Marcum 7,24-30
24 Et inde surgens abiit in fines Tyri et Sidonis: et ingressus domum, neminem voluit scire, et non potuit latere.
E, partindo dali, foi para os confins de Tiro e de Sídon; e, entrando numa casa, não quis que ninguém soubesse, mas não pôde ocultar-se.
25 Mulier enim statim ut audivit de eo, cujus habebat filia spiritum immundum, intravit, et procidit ad pedes ejus.
Uma mulher, cuja filha estava possuída por um espírito impuro, logo que ouviu falar dele, veio e lançou-se a seus pés.
26 Erat autem mulier gentilis, Syrophœnissa genere. Et rogabat eum ut dæmonium ejiceret de filia ejus.
Ora, essa mulher era gentia, de origem sirofenícia, e rogava-lhe que expulsasse o demônio de sua filha.
27 Qui dixit illi: Sine prius saturari filios: non est enim bonum sumere panem filiorum, et mittere canibus.
Mas ele disse-lhe: Deixa primeiro que se saciem os filhos, pois não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos.
28 At illa respondit, et dixit illi: Utique Domine, nam et catelli sub mensa manducant de micis puerorum.
Ela, porém, respondeu-lhe: Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas dos filhos.
29 Et ait illi: Propter hunc sermonem vade, exiit dæmonium de filia tua.
Então, ele disse-lhe: Por essa palavra, vai-te; o demônio já saiu de tua filha.
30 Et cum abisset in domum suam, invenit puellam jacentem supra lectum, et dæmonium exiisse.
E, indo ela para sua casa, encontrou a menina deitada na cama, e o demônio tinha saído.
Reflexão:
At illa respondit, et dixit illi: Utique Domine, nam et catelli sub mensa manducant de micis puerorum.
Ela, porém, respondeu-lhe: Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas dos filhos. (Mc 7:28)
Essa frase revela a humildade e a fé da mulher sirofenícia, que reconhece a abundância da graça divina e a universalidade da salvação. Sua resposta demonstra que, mesmo nas aparentes limitações, a verdadeira fé encontra caminhos para alcançar a plenitude do dom divino.
A grandeza da fé não está no sangue ou na origem, mas na potência que abre os olhos ao invisível e os ouvidos à ressonância do eterno. No diálogo entre a Palavra e a súplica, revela-se o ponto onde a Criação se eleva, e o espírito humano se ajusta ao desígnio divino. O Logos, que parecia distante, torna-se próximo pela humildade daquele que pede sem reivindicar, e que se confia ao mistério com a certeza de que toda centelha do Ser provém da mesma Fonte. Eis a ascensão do espírito: da sombra da separação à luz da comunhão essencial.
HOMILIA
A FÉ QUE ATRAVESSA AS FRONTEIRAS
O encontro entre Jesus e a mulher sirofenícia nos apresenta uma cena que transcende tempo e cultura. A princípio, parece um diálogo de exclusão: Jesus fala de uma prioridade, a mulher insiste, e a resposta final revela uma abertura inesperada. Mas, além das palavras, o que está acontecendo nesse momento?
A mulher vem de uma terra estrangeira, não pertence ao povo eleito, mas traz algo que a aproxima do divino: uma fé inquebrantável. Ela não se apoia em méritos, títulos ou direitos, mas na certeza profunda de que mesmo as migalhas da graça são suficientes para transformar sua realidade.
Hoje, vivemos em um mundo fragmentado, onde fronteiras são erguidas não apenas entre nações, mas entre grupos, ideologias e até mesmo entre os corações humanos. Há aqueles que se julgam mais próximos da verdade e outros que se sentem excluídos dela. Mas essa passagem do Evangelho nos ensina que a verdadeira proximidade de Deus não se mede por categorias externas, mas pela capacidade de reconhecer a Presença mesmo onde ela parece velada.
A grande lição que essa mulher nos dá é a persistência na busca pelo essencial. Em tempos onde a dúvida se infiltra nas consciências e onde o excesso de informações muitas vezes gera confusão ao invés de sabedoria, é fácil perder de vista o que realmente alimenta a alma. Mas aquele que busca com sinceridade, ainda que se veja diante de obstáculos, encontrará um caminho.
Jesus, ao final, não apenas atende ao pedido da mulher, mas o faz em resposta à sua palavra de fé. É como se Ele dissesse: "Veja, o que te salva não é apenas a minha vontade, mas a abertura do teu coração para receber aquilo que já está preparado para ti."
E nós? Ouvimos esse chamado? Conseguimos perceber que a graça de Deus não se limita às nossas estruturas, mas se derrama sobre aqueles que, com humildade, se abrem a ela? A mulher sirofenícia nos recorda que a fé verdadeira atravessa barreiras, rompe expectativas e encontra caminhos onde antes havia muros. Que saibamos, também nós, buscar a Deus não como um direito adquirido, mas como um dom sempre novo, sempre maior do que podemos imaginar.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A Humildade que Atrai a Graça: Uma Leitura Profunda de Marcos 7,28
A frase "Ela, porém, respondeu-lhe: Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas dos filhos" (Mc 7,28) é um dos momentos mais teologicamente densos do Evangelho, pois revela a profundidade da fé, a universalidade da graça e a reconfiguração da economia da salvação em Cristo.
1. O Contexto: A Mulher Sirofenícia e o Silêncio Divino
Jesus está em território pagão, na região de Tiro e Sidônia, quando uma mulher sirofenícia vem suplicar a cura de sua filha possuída por um espírito impuro. Ele, inicialmente, parece rejeitá-la ao afirmar: "Deixa primeiro saciar-se os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos" (Mc 7,27).
Essa resposta parece dura, mas carrega uma revelação sobre a ordem da salvação. No plano histórico, Israel era o primeiro destinatário da aliança (cf. Rm 9,4-5), e Jesus, ao assumir a natureza humana, inicia sua missão entre os judeus, cumprindo a promessa feita aos patriarcas. No entanto, o plano divino não se encerra em Israel, mas se expande a toda a humanidade. O aparente silêncio e resistência de Cristo são, na verdade, um convite ao amadurecimento da fé da mulher, que responde com profunda humildade e sabedoria.
2. A Fé que Ultrapassa Barreiras
A mulher aceita a ordem divina ao dizer "Sim, Senhor", reconhecendo a primazia de Israel, mas imediatamente revela sua compreensão mais profunda: "até os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas dos filhos".
A imagem dos "cachorrinhos" não deve ser lida como um insulto, mas como uma metáfora que expressa a hierarquia da revelação e a abundância da graça divina. O banquete da salvação foi preparado para Israel, mas o transbordamento desse mistério atinge a todos. A mulher, com humildade, não reivindica um direito, mas reconhece que até o mínimo da graça divina é suficiente para transformar sua realidade.
Essa resposta revela uma verdade essencial: a fé não se apoia em privilégios externos, mas na confiança absoluta na bondade de Deus. Enquanto muitos judeus da época rejeitavam Jesus por apegarem-se à letra da Lei, essa mulher pagã manifesta uma fé que ultrapassa as fronteiras étnicas e religiosas.
3. A Economia da Graça e a Eucaristia Velada
A menção ao pão que cai da mesa evoca a Eucaristia. No Antigo Testamento, o pão era símbolo da providência divina, desde o maná no deserto (Ex 16) até os pães da proposição no Templo. No Novo Testamento, Cristo revela-se como o Pão da Vida (Jo 6,35), destinado não apenas a Israel, mas a todos os que creem.
As "migalhas" evocam a abundância desse dom. Mesmo o menor contato com a graça divina é suficiente para operar milagres. Isso nos remete ao episódio da hemorroíssa, que toca a orla do manto de Cristo e é curada (Mc 5,28). A salvação não está na posse exterior dos bens divinos, mas na fé que reconhece e acolhe esses bens.
4. A Reconfiguração da Salvação: De Israel às Nações
Essa passagem antecipa o desdobramento universal da missão de Cristo. Se no Antigo Testamento a aliança estava restrita ao povo de Israel, em Cristo ela se expande a toda a humanidade. Como afirma São Paulo:
"Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus" (Gl 3,28).
A mulher sirofenícia representa todos os que, mesmo estando fora da antiga aliança, são acolhidos pela fé. Sua insistência e humildade antecipam a missão apostólica que, após a ressurreição, será direcionada a todas as nações (Mt 28,19).
5. Conclusão: A Fé que Atravessa a História
A resposta da mulher sirofenícia nos ensina que Deus não se prende a categorias humanas, mas olha para o coração que crê. Sua frase ecoa como um chamado à humildade e à confiança: não importa quão distantes estejamos, se nossa fé for autêntica, até as "migalhas" da graça de Deus são capazes de nos transformar por inteiro.
Cristo, ao conceder seu pedido, revela que a salvação não é um privilégio de poucos, mas uma torrente de misericórdia acessível a todos os que se abrem à plenitude do amor divino.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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