Liturgia Diária
19 – QUARTA-FEIRA
6ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Sede para mim um Deus protetor e um lugar de refúgio, para me salvar. Porque sois minha força e meu refúgio e, por causa do vosso nome, me guiais e sustentais (Sl 30,3s).
Após a purificação pelas águas primordiais, a manifestação da Vida ressurge em sua plenitude, expandindo-se na superfície do mundo sensível. O desígnio divino permanece, conferindo ao ser humano a responsabilidade sagrada de zelar pelo espaço concedido à sua existência. Elevemos nossa súplica ao Altíssimo para que nos conceda a visão interior capaz de discernir, com maior clareza, os caminhos que nos alinham à altura desse encargo transcendental que nos foi confiado desde o princípio dos tempos.
Evangelium secundum Marcum 8,22-26
22 Et veniunt Bethsaidam, et adducunt ei cæcum, et rogabant eum ut illum tangeret.
22 E chegaram a Betsaida, e trouxeram-lhe um cego, suplicando-lhe que o tocasse.
23 Et apprehendens manum cæci, eduxit eum extra vicum: et exspuens in oculos ejus, impositis manibus suis, interrogavit eum si quid videret.
23 E, tomando pela mão o cego, levou-o para fora da aldeia e, cuspindo-lhe nos olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via algo.
24 Et aspiciens, ait: Video homines velut arbores ambulantes.
24 E, olhando, disse: Vejo os homens como árvores que andam.
25 Deinde iterum imposuit manus super oculos ejus: et cœpit videre, et restitutus est, ita ut clare videret omnia.
25 Depois, novamente lhe impôs as mãos sobre os olhos, e começou a ver, e foi restaurado, de modo que via claramente todas as coisas.
26 Et misit illum in domum suam, dicens: Vade in domum tuam: et si in vicum introieris, nemini dixeris.
26 E mandou-o para sua casa, dizendo: Vai para tua casa e, se entrares na aldeia, não digas nada a ninguém.
Reflexão:
Deinde iterum imposuit manus super oculos ejus: et cœpit videre, et restitutus est, ita ut clare videret omnia.
Depois, novamente lhe impôs as mãos sobre os olhos, e começou a ver, e foi restaurado, de modo que via claramente todas as coisas. (Mc 8:25)
Essa frase representa a plenitude da restauração da visão, simbolizando o processo gradual do despertar espiritual e da compreensão plena da realidade.
A visão desperta gradualmente, pois a verdade não se impõe como um relâmpago, mas se revela à medida que o olhar interior se afina. A jornada do ser é a expansão da consciência, que parte da penumbra da percepção fragmentada para a clareza da intelecção plena. O toque do Verbo conduz para além das limitações da aldeia interior, onde os sentidos ainda confundem formas e essências. No silêncio do recolhimento, a luz cresce sem alarde, e o mundo, antes enevoado, se ordena em sua luminosa harmonia.
HOMILIA
Do Véu da Névoa à Clareza do Ser
Amados peregrinos da verdade, o Evangelho de hoje nos convida a contemplar o mistério da visão, não apenas no sentido físico, mas sobretudo na jornada interior do discernimento e da consciência. Jesus conduz um cego para fora da aldeia e, num gesto carregado de simbolismo, toca-lhe os olhos em duas etapas, permitindo-lhe passar de uma visão imperfeita para a clareza plena.
Não é assim também a experiência humana? Vivemos em um tempo de imensa aceleração do conhecimento, mas, paradoxalmente, permanecemos envoltos em uma névoa de desordem e confusão. A tecnologia nos conecta, mas nos isola; a informação nos inunda, mas nos desorienta. Muitos enxergam o mundo de maneira distorcida, como aquele homem que via os homens como árvores ambulantes. Perdemos a capacidade de distinguir entre o transitório e o essencial, entre o ruído das opiniões e a substância da verdade.
Mas Cristo não abandona aquele que busca a luz. Ele conduz para além das muralhas da aldeia, para um espaço onde a transformação se torna possível. Isso nos recorda que a visão clara não se obtém no tumulto das multidões, mas no silêncio do encontro pessoal com Deus. Vivemos dias onde o agir precipitado substitui o pensamento, e onde se exige respostas imediatas sem a maturação da reflexão. Jesus, porém, ensina que a verdadeira lucidez é processual: há um tempo para reconhecer a penumbra, um tempo para permitir o toque divino e um tempo para que a luz se revele por completo.
Eis o grande desafio do nosso tempo: não nos contentarmos com uma visão parcial, não aceitarmos como verdade definitiva aquilo que ainda está em formação. O progresso autêntico, tanto individual quanto coletivo, nasce da coragem de permitir que nossa percepção seja restaurada, passo a passo, até que possamos ver todas as coisas com clareza.
Que Cristo nos guie para além das ilusões e nos conceda a visão plena da realidade, para que, iluminados pela luz que não se apaga, possamos caminhar com sabedoria, justiça e liberdade no tempo que nos foi dado a viver. Amém.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A Restauração da Visão e a Plenitude da Iluminação
A frase “Depois, novamente lhe impôs as mãos sobre os olhos, e começou a ver, e foi restaurado, de modo que via claramente todas as coisas” (Mc 8,25) contém uma profundidade teológica que nos conduz ao mistério da iluminação espiritual e da restauração plena do ser humano na economia da salvação.
1. O Toque Progressivo da Graça
O fato de Jesus impor as mãos sobre o cego pela segunda vez nos ensina que a graça opera progressivamente na alma. Deus poderia restaurar instantaneamente a visão, mas escolhe fazê-lo em etapas, revelando que o conhecimento da verdade e a restauração da humanidade não ocorrem de modo abrupto, mas como um itinerário que exige disponibilidade, abertura e amadurecimento espiritual. Esse processo reflete o caminho da revelação divina na história: Deus primeiro fala por meio das sombras e figuras do Antigo Testamento, para depois manifestar a plenitude da verdade em Cristo (Hb 1,1-2).
2. Da Visão Imperfeita à Clareza da Verdade
Antes da segunda imposição das mãos, o homem vê “homens como árvores ambulantes” (Mc 8,24), simbolizando uma percepção distorcida da realidade. Esse estado intermediário representa a condição humana diante da verdade: em nossa limitação, muitas vezes interpretamos a realidade de forma parcial, confusa e fragmentada. A plenitude do conhecimento divino não é uma apreensão meramente intelectual, mas uma experiência que transforma o ser. Quando Jesus toca o cego pela segunda vez, ele não apenas vê, mas vê claramente—ou seja, sua percepção agora é íntegra, restituída ao que deveria ser desde o princípio.
3. A Iluminação Espiritual e a Perfeição da Visão em Cristo
A clareza da visão restaurada remete ao mistério da iluminação espiritual. No contexto da teologia paulina, essa passagem pode ser lida à luz de 1Coríntios 13,12: “Agora vemos como em espelho, de maneira obscura, mas então veremos face a face.” O caminho da fé é um progressivo retirar dos véus que obscurecem nossa visão da realidade divina. No momento presente, somos como aquele cego antes da plenitude da cura: percebemos a verdade de maneira fragmentada. Mas Cristo é aquele que, ao impor suas mãos sobre nós, nos conduz à visão plena da realidade última.
4. A Restauração e a Nova Criação
A palavra grega usada para "restaurado" (ἀποκαθίστημι, apokathistēmi) sugere não apenas uma recuperação, mas um retorno à integridade original. Essa restauração não se limita à capacidade física de enxergar, mas remete à renovação escatológica prometida por Deus: a recriação do homem segundo sua vocação original, a restauração da imagem de Deus obscurecida pelo pecado. O gesto de Jesus sobre o cego aponta para a obra redentora que Ele realiza sobre toda a humanidade: Ele veio para restaurar nossa visão espiritual, permitindo que enxerguemos todas as coisas à luz da verdade eterna.
5. Ver Todas as Coisas Claramente: A Sabedoria Divina
O texto conclui dizendo que o homem “via claramente todas as coisas” (ἐνέβλεπεν τηλαυγῶς ἅπαντα). A expressão utilizada sugere uma visão não apenas nítida, mas abrangente, como se todo o horizonte da realidade fosse iluminado. Isso aponta para o dom da sabedoria, que permite ao ser humano compreender a criação não apenas com os olhos do corpo, mas com os olhos do espírito. Essa visão clara não se limita ao conhecimento dos fatos, mas implica uma ordenação da existência segundo a verdade divina, uma vida que responde plenamente ao chamado do Criador.
Conclusão: O Chamado à Plenitude da Visão em Cristo
A restauração da visão do cego de Betsaida não é apenas um milagre físico, mas um sinal do processo de elevação da humanidade à verdade última. Somos chamados a sair das sombras das ilusões, das percepções fragmentadas e dos juízos obscurecidos para uma visão plena da realidade em Cristo. A luz que brilha em sua face é a mesma que dissipa as trevas do mundo e nos guia à contemplação da verdade eterna. Quem se deixa tocar por Ele, ainda que precise de tempo para discernir plenamente, não ficará na penumbra, mas chegará à luz que ilumina todas as coisas.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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