Liturgia Diária
18 – TERÇA-FEIRA
6ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Sede para mim um Deus protetor e um lugar de refúgio, para me salvar. Porque sois minha força e meu refúgio e, por causa do vosso nome, me guiais e sustentais (Sl 30,3s).
Diante da desarmonia que se estende pelo mundo, a Verdade encontra um ser íntegro, através do qual o fluxo da existência e da ascensão espiritual se perpetua. Que a confiança de Noé nos inspire à liberdade interior e à responsabilidade pela continuidade do Ser.
Evangelium secundum Marcum 8,14-21
14 Et obliti sunt panes sumere: et nisi unum panem non habebant secum in navi.
E esqueceram-se de levar pães e não tinham consigo na barca senão um pão.
15 Et præcipiebat eis, dicens: Videte, cavete a fermento pharisæorum, et fermento Herodis.
E ordenava-lhes, dizendo: Vede, guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes.
16 Et cogitabant ad alterutrum, dicentes, quia panes non haberent.
E discutiam entre si, dizendo que era porque não tinham pães.
17 Quo cognito, Jesus ait illis: Quid cogitatis, quia panes non habetis? Nondum cognoscitis, neque intelligitis? Adhuc cæcatum habetis cor vestrum?
Percebendo isso, Jesus disse-lhes: Por que pensais que não tendes pães? Ainda não entendeis, nem compreendeis? Vosso coração ainda está obscurecido?
18 Oculos habentes non videtis? Et aures habentes non auditis? Nec recordamini,
Tendo olhos, não vedes? E tendo ouvidos, não ouvis? Nem vos lembrais,
19 quando quinque panes fregi in quinque millia, quot cophinos fragmentorum plenos sustulistis? Dicunt ei: Duodecim.
quando parti os cinco pães para cinco mil, quantos cestos cheios de pedaços recolhestes? Disseram-lhe: Doze.
20 Quando et septem panes in quatuor millia, quot sportas fragmentorum tulistis? Et dicunt ei: Septem.
E quando parti os sete pães para quatro mil, quantos cestos de sobras recolhestes? Disseram-lhe: Sete.
21 Et dicebat eis: Quomodo nondum intelligitis?
E dizia-lhes: Como ainda não compreendeis?
Reflexão:
"Quid cogitatis, quia panes non habetis? Nondum cognoscitis, neque intelligitis? Adhuc cæcatum habetis cor vestrum?"
"Por que pensais que não tendes pães? Ainda não entendeis, nem compreendeis? Vosso coração ainda está obscurecido?" (Mc 8:17)
Essa frase destaca a dificuldade humana em perceber a verdade além das aparências e convida à abertura da consciência para a compreensão mais profunda da realidade.
A consciência humana, ao prender-se à escassez, obscurece-se para a plenitude do real. Jesus revela que a abundância nasce da entrega, e não do medo. Quem enxerga a ordem sutil do existir percebe que a confiança e a liberdade constroem a verdadeira comunhão.
HOMILIA
A Cegueira da Abundância e a Plenitude do Real
O Evangelho de hoje nos apresenta um desafio que ecoa profundamente em nossa era: a incapacidade de perceber a abundância no meio da escassez aparente. Os discípulos, preocupados por não terem levado pães, revelam uma mentalidade aprisionada à limitação material, incapaz de reconhecer que o verdadeiro sustento não vem apenas do que se possui, mas da confiança na ordem maior da existência.
Jesus os adverte: “Tendo olhos, não vedes? E tendo ouvidos, não ouvis?” (Mc 8,18). Sua pergunta atravessa os séculos e ressoa hoje, quando tantos, mesmo cercados de recursos, sentem-se desprovidos, e onde a incerteza do futuro ofusca a percepção das possibilidades do presente. A cegueira não está na falta de bens, mas na dificuldade de compreender a dinâmica essencial da vida: a abundância se manifesta não na retenção, mas na partilha, não no medo, mas na confiança.
Vivemos tempos de imenso progresso e, ao mesmo tempo, de inquietação. A tecnologia nos conecta, mas o isolamento cresce. O conhecimento se expande, mas a sabedoria parece escassa. Como os discípulos, somos chamados a transcender uma visão superficial e reconhecer que a realidade se ordena segundo princípios mais altos, onde a liberdade e a entrega caminham juntas.
A advertência de Jesus contra o fermento dos fariseus e de Herodes também ilumina nosso tempo. O fermento, símbolo de ideologias rígidas e de estruturas que aprisionam o espírito, pode ainda hoje distorcer nossa percepção, fazendo-nos confiar mais em mecanismos de controle do que na força transformadora da verdade. O risco não está apenas no erro externo, mas na interiorização de visões que nos afastam da confiança no real e nos tornam dependentes de certezas frágeis.
Diante disso, somos chamados a um olhar novo: não aquele que se fixa no que falta, mas o que discerne a plenitude oculta em cada instante. O mundo não é um espaço de carência, mas um campo de possibilidades. Quem compreende isso não teme a escassez, pois sabe que a vida encontra seu caminho na harmonia daqueles que vivem com integridade e abertura.
A pergunta de Cristo permanece: “Como ainda não compreendeis?” (Mc 8,21). Que possamos abrir os olhos e o coração para ver, compreender e viver a plenitude que sempre nos envolve.
EXPLICAÇÃO TEOLOGICA
A Cegueira do Coração e a Compreensão da Verdade
A frase de Jesus em Marcos 8,17 – “Por que pensais que não tendes pães? Ainda não entendeis, nem compreendeis? Vosso coração ainda está obscurecido?” – contém uma poderosa interrogação teológica que transcende a questão material do pão e toca o núcleo da relação entre o homem, Deus e a realidade.
1. A Ilusão da Escassez e a Plenitude de Deus
Os discípulos estavam preocupados com a ausência de pão material, demonstrando uma visão limitada da providência divina. Jesus, ao questioná-los, revela que seu entendimento está obscurecido, pois ainda não compreenderam a lógica do Reino: onde há entrega, há abundância; onde há fé, há provisão. Este episódio ecoa a multiplicação dos pães, onde a partilha revelou que a escassez é uma ilusão diante da confiança em Deus.
A inquietação dos discípulos representa a dificuldade humana em perceber a realidade sob a ótica da fé. O problema não é a falta de pão, mas a falta de visão espiritual para reconhecer que aquele que multiplicou os pães não os abandonaria à fome. A pergunta de Jesus não se refere apenas ao alimento, mas à compreensão do sentido profundo da vida: o homem não vive apenas do pão, mas da Palavra que sustenta o ser.
2. O Coração Obscurecido e a Falta de Inteligência Espiritual
Jesus não apenas acusa os discípulos de não compreenderem, mas aponta a causa dessa incompreensão: o obscurecimento do coração. Na teologia bíblica, o coração é o centro da inteligência espiritual, o lugar onde a verdade divina é acolhida. Quando o coração se endurece, a pessoa perde a capacidade de ver e interpretar corretamente os sinais de Deus.
A cegueira dos discípulos não é intelectual, mas existencial. Eles já haviam presenciado sinais, mas ainda estavam presos a uma lógica terrena, baseada na segurança imediata e no cálculo humano. Jesus os convida a uma conversão da percepção: é preciso ver além das aparências e reconhecer que a realidade é sustentada por um princípio superior, onde a escassez é dissolvida pela confiança e pela entrega.
3. O Apelo à Maturidade da Fé
A repetição dos verbos "entender" e "compreender" indica que Jesus espera dos discípulos um amadurecimento. Não basta testemunhar milagres; é necessário penetrar no mistério que eles revelam. A multiplicação dos pães não era apenas um ato de compaixão, mas um sinal da presença do Reino, onde a partilha gera plenitude e onde a lógica da doação supera a lógica da posse.
Cristo, portanto, não repreende os discípulos apenas por sua falta de fé, mas por sua relutância em transcender uma visão materialista da existência. Ele os convida a perceber que a verdadeira segurança não está na posse do pão, mas na comunhão com aquele que é o Pão da Vida.
4. Aplicação Teológica: O Risco da Cegueira Espiritual
Essa passagem permanece um chamado para todos os tempos. Vivemos em um mundo que oscila entre a abundância e o medo da escassez, entre a confiança na providência e a busca desenfreada por segurança. O coração obscurecido não é apenas aquele que duvida, mas aquele que, mesmo diante dos sinais de Deus, insiste em permanecer na lógica do medo e da retenção.
Jesus nos convida a abrir os olhos e o coração para perceber que a realidade é sustentada por uma ordem maior. O pão material é necessário, mas o verdadeiro alimento é a confiança em Deus, que liberta da ilusão da carência e conduz à plenitude da comunhão.
A pergunta de Cristo, então, continua ecoando: ainda não compreendemos?
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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