Liturgia Diária
DIA 19 – SÁBADO
VIGÍLIA PASCAL
(branco, glória, prefácio da Páscoa I – ofício próprio)
Na noite primordial, onde o tempo se curva ao eterno, celebramos a passagem do ser pela escuridão da ignorância rumo à luz do conhecimento. Esta vigília é símbolo da liberdade interior — chama que arde em cada consciência desperta. É comunhão com a dignidade de existir, com o direito de transcender limites impostos. Ao lembrar as maravilhas do espírito na história, tocamos o ápice da elevação humana: a superação da morte simbólica. Que cada rito — luz, palavra, renovação e comunhão — seja um gesto de afirmação da autonomia do ser e de sua vocação para a transcendência.
Evangelium secundum Lucam 24,1-12
In die Paschæ
1. Una autem sabbati, valde diluculo, venerunt ad monumentum, portantes aromata, quae paraverant,
No primeiro dia da semana, muito cedo, elas foram ao sepulcro, levando os aromas que haviam preparado.
2. et invenerunt lapidem revolutum a monumento.
E encontraram a pedra removida do sepulcro.
3. Et ingressae non invenerunt corpus Domini Iesu.
E, entrando, não encontraram o corpo do Senhor Jesus.
4. Et factum est, dum mente consternatae essent de isto, ecce duo viri steterunt secus illas in veste fulgenti.
E aconteceu que, estando perplexas com isso, eis que dois homens se puseram junto delas com vestes resplandecentes.
5. Cum timerent autem, et declinarent vultum in terram, dixerunt ad illas: “Quid quaeritis viventem cum mortuis?
E estando elas amedrontadas e inclinando o rosto para o chão, eles lhes disseram: “Por que buscais entre os mortos aquele que vive?”
6. Non est hic, sed surrexit. Recordamini qualiter locutus est vobis, cum adhuc in Galilaea esset,
Ele não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos como vos falou, estando ainda na Galileia,
7. dicens: “Oportet Filium hominis tradi in manus hominum peccatorum et crucifigi et die tertia resurgere”.
dizendo: “É necessário que o Filho do Homem seja entregue nas mãos dos pecadores, seja crucificado e, no terceiro dia, ressuscite”.
8. Et recordatae sunt verborum eius.
E lembraram-se das palavras dele.
9. Et regressae a monumento, nuntiaverunt haec omnia illis undecim et ceteris omnibus.
E, voltando do sepulcro, anunciaram todas essas coisas aos onze e a todos os demais.
10. Erat autem Maria Magdalene et Ioanna et Maria Iacobi et ceterae cum ipsis, quae dicebant ad apostolos haec.
E eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, e as outras com elas, que disseram essas coisas aos apóstolos.
11. Et visa sunt ante illos sicut deliramentum verba ista, et non crediderunt illis.
E as palavras lhes pareceram um delírio, e não acreditaram nelas.
12. Petrus autem surgens cucurrit ad monumentum; et, inclinatus, vidit linteamina sola posita, et abiit secum mirans quod factum fuerat.
Mas Pedro, levantando-se, correu ao sepulcro; e, inclinando-se, viu apenas os lençóis, e foi embora, admirado com o que tinha acontecido.
Reflexão:
Na alvorada da existência, o vazio do sepulcro revela mais do que a ausência: aponta para a potência do vir-a-ser. A pedra removida não apenas abre um túmulo, mas descortina o horizonte da consciência desperta, chamada a transcender o determinismo da matéria. A vida, emergente e livre, ressurge como um movimento em direção à plenitude do ser. A escolha de buscar entre os vivos e não entre os mortos é o início da liberdade interior. O sepulcro vazio é convite à confiança no dinamismo da realidade, onde cada pessoa é responsável por interpretar, escolher e ascender com dignidade própria rumo ao eterno.
Frase mais importante:
Non est hic, sed surrexit.
Ele não está aqui, mas ressuscitou. (Lc 24:6)
Essa declaração, presente no versículo 6, é o ponto culminante do relato: proclama a vitória sobre a morte e a confirmação da promessa de vida. Ela marca a transformação definitiva do luto em esperança e o início de uma nova compreensão da existência.
HOMILIA
A Aurora do Ser Desperto
No silêncio da pedra revolvida, onde esperava-se fim, revela-se começo. Não está aqui. Ressuscitou. Essas palavras ecoam mais do que o anúncio de um milagre: são o chamado à emergência de um novo modo de existir. A ausência do corpo não é vazio, mas plenitude em movimento. O túmulo vazio não encerra — abre. Não se trata apenas de um retorno à vida, mas da revelação de que a vida, em sua essência, tende à elevação, à superação de tudo que a limita.
Aquelas mulheres, portadoras de aromas e luto, são figuras da consciência humana quando tocada por algo que a ultrapassa. Ao encontrarem o sepulcro aberto, são chamadas a recordar, a ligar o presente ao eterno. Recordar não é um gesto de nostalgia, mas de transformação — memória viva que desperta a identidade mais profunda do ser.
Eis o núcleo: ele vive. Se há vida além do fim, então há liberdade além da matéria, há direção. Cada ser, em sua interioridade única, é chamado a participar dessa elevação, não como imposição, mas como escolha. O divino não se impõe; ele atrai. Ele se deixa encontrar por aqueles que ousam buscar entre os vivos e não entre os mortos.
A ressurreição é mais do que uma esperança futura: é um processo contínuo, em que cada gesto de amor, cada escolha por dignidade, cada busca por sentido, é uma pequena alvorada. O que antes era opaco, fecha-se ao olhar superficial; mas aos que se curvam com humildade, como Pedro, algo se revela: a ausência que transforma, os sinais que indicam que a vida não se esgota no visível.
A vigília continua. Não mais à beira de um túmulo, mas no íntimo de cada ser que deseja viver plenamente. Ressuscitar é viver como quem sabe que nasceu para mais, que a luz não é só metáfora, mas destino. A verdadeira liberdade está em reconhecer essa vocação e segui-la com todo o ser.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A frase “Ele não está aqui, mas ressuscitou” (Lc 24,6) é uma das declarações mais densas e centrais de toda a teologia cristã. Nela, convergem o anúncio do evento fundador da fé cristã e uma revelação sobre a natureza divina, a condição humana e o destino último da criação.
1. "Ele não está aqui" – A ruptura com o espaço da morte
Teologicamente, essa afirmação não é apenas uma constatação física da ausência de um corpo. Trata-se de uma negação radical do domínio da morte sobre o Cristo. O “aqui” representa o sepulcro, o lugar onde a história termina, onde a esperança humana se desfaz. Ao declarar que Jesus não está ali, o anjo anuncia que Deus não se deixa conter pelos limites impostos pela existência caída. A ausência é, paradoxalmente, presença — mas uma presença transfigurada.
Essa negação aponta para um Deus que não é prisioneiro do passado nem do finito. A ausência do corpo não nega a realidade de Cristo, mas afirma sua transformação: Ele não está como antes, pois o que era corruptível revestiu-se da incorruptibilidade (cf. 1Cor 15,53).
2. "Mas ressuscitou" – A vitória definitiva da Vida
Este é o cerne do mistério cristão: a Ressurreição não é um retorno à vida terrena, mas uma passagem para uma nova forma de existência — glorificada, plena, eterna. Ressuscitar, aqui, é ser elevado, não apenas em poder, mas em natureza. Jesus emerge não como uma simples continuação de sua vida anterior, mas como princípio de uma nova criação (cf. Ap 21,5).
A teologia da Ressurreição vê neste evento o sinal escatológico do Reino irrompendo na história. Deus, em Cristo, não apenas vence a morte, mas inaugura uma nova ordem de ser. A Ressurreição é, assim, a promessa de que a criação está destinada à plenitude, e não ao colapso.
3. Cristo como primícias e modelo do novo humano
“Ressuscitou” também significa que a humanidade de Cristo foi elevada à plena comunhão com o divino, não como exclusividade, mas como primícias (cf. 1Cor 15,20). Ele é o primeiro entre muitos. Isso tem profundas implicações antropológicas: a Ressurreição revela o verdadeiro destino do ser humano — não o aniquilamento, mas a transfiguração.
O Cristo ressuscitado é o horizonte da liberdade humana, pois Ele manifesta o fim último para o qual fomos criados: a união com Deus em liberdade plena, consciência desperta e amor absoluto.
4. Um chamado existencial e comunitário
Essa frase não é apenas para ser crida, mas vivida. “Ele não está aqui” é um convite à busca: não no passado, não no túmulo, mas no presente vivo da comunidade, da Palavra, do Espírito e do outro. E “ressuscitou” exige uma resposta: viver ressuscitadamente, como quem já foi tocado pela eternidade.
Em suma, Lc 24,6 revela que o amor de Deus não conhece barreiras, que a vida é mais forte que a morte, e que a história não caminha para o vazio, mas para a glória. Trata-se do ponto mais alto da revelação cristã: o sepulcro está vazio, porque a plenitude da Vida agora habita em outro plano — e nos chama a segui-la.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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