Liturgia Diária
DIA 16 – QUARTA-FEIRA
SEMANA SANTA
(roxo, pref. da paixão II – ofício próprio)
Ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra, pois o Senhor se fez obediente até a morte, e morte de cruz. E por isso Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus Pai (Fl 2,10.8.11).
Às vésperas da revelação do Mistério, somos convidados a contemplar a liberdade interior diante da sombra da traição. O ser desperto não se rende ao sofrimento, nem se curva à imposição alheia; permanece firme em sua consciência e em sua escolha pela verdade. A Ceia do Logos, comunhão entre o Invisível e o visível, sustenta a alma no exercício da autenticidade e na fidelidade à essência. Que o pão partilhado não alimente apenas o corpo, mas fortaleça o espírito na construção de vínculos reais, onde a transparência e o respeito mútuo reflitam a dignidade inviolável de cada existência.
Passio Domini nostri Iesu Christi secundum Matthæum (Mt 26,14-25)
14 Tunc abiit unus de duodecim, qui dicitur Iudas Iscariotes, ad principes sacerdotum,
Então foi um dos doze, chamado Judas Iscariotes, aos príncipes dos sacerdotes,
15 et ait illis: "Quid vultis mihi dare, et ego vobis eum tradam?" At illi constituerunt ei triginta argenteos.
e disse-lhes: “Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei?” E eles lhe fixaram trinta moedas de prata.
16 Et exinde quaerebat opportunitatem ut eum traderet.
E desde então buscava ocasião para entregá-lo.
17 Prima autem die Azymorum accesserunt discipuli ad Iesum dicentes: "Ubi vis paremus tibi comedere Pascha?"
No primeiro dia dos Ázimos, aproximaram-se os discípulos de Jesus, dizendo: “Onde queres que preparemos para comer a Páscoa?”
18 At Iesus dixit: "Ite in civitatem ad quemdam et dicite ei: Magister dicit: Tempus meum prope est; apud te facio Pascha cum discipulis meis."
E Jesus disse: “Ide à cidade, a casa de certo homem, e dizei-lhe: O Mestre diz: o meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a Páscoa com meus discípulos.”
19 Et fecerunt discipuli, sicut constituit illis Iesus, et paraverunt Pascha.
E os discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Páscoa.
20 Vespere autem facto discumbebat cum duodecim discipulis.
Ao anoitecer, estava à mesa com os doze discípulos.
21 Et edentibus illis dixit: "Amen dico vobis, quia unus vestrum me traditurus est."
E enquanto comiam, disse: “Em verdade vos digo que um de vós me há de trair.”
22 Et contristati valde coeperunt singuli dicere ei: "Numquid ego sum, Domine?"
E, profundamente entristecidos, começaram a dizer-lhe, um por um: “Porventura sou eu, Senhor?”
23 At ipse respondens ait: "Qui intingit mecum manum in paropside, hic me tradet.
Ele, respondendo, disse: “O que mete comigo a mão no prato, esse me trairá.”
24 Filius quidem hominis vadit, sicut scriptum est de illo; vae autem homini illi, per quem Filius hominis traditur! Bonum erat ei, si natus non fuisset homo ille."
O Filho do Homem vai, como está escrito dele; mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Melhor lhe fora não ter nascido.
25 Respondens autem Iudas, qui tradidit eum, dixit: "Numquid ego sum, Rabbi?" Ait illi: "Tu dixisti."
Judas, o que o traía, respondendo, disse: “Sou eu, Mestre?” Disse-lhe Jesus: “Tu o disseste.”
Reflexão:
O drama da escolha revela-se no silêncio entre o gesto e a consciência. Na ceia da liberdade, cada um se confronta com a verdade que habita no íntimo. A presença do Cristo, sereno e pleno, não força, mas chama. O traidor não é condenado por um destino cego, mas por uma decisão interior que nega a própria luz. A mesa comum é símbolo do encontro entre o tempo e o eterno, onde o amor respeita até a recusa. Nesta tensão sagrada, cada ser é convidado a assumir sua responsabilidade. O pão partilhado exige autenticidade. A liberdade é semente da verdade.
Frase mais importamte:
A frase mais importante de Passio Domini nostri Iesu Christi secundum Matthæum (Mt 26,14-25) é:
Filius quidem hominis vadit, sicut scriptum est de illo; vae autem homini illi, per quem Filius hominis traditur! Bonum erat ei, si natus non fuisset homo ille.
O Filho do Homem vai, como está escrito dele; mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Melhor lhe fora não ter nascido esse homem. (Mt 26:24)
Essa frase, dita por Jesus, revela a profundidade do drama da liberdade humana diante da verdade, a gravidade da traição consciente e o respeito de Deus pela escolha de cada alma.
HOMILIA
O Mistério da Escolha na Ceia da Liberdade
No silêncio que antecede a entrega, quando o pão é partido e o olhar do Mestre repousa sobre os seus, algo mais profundo do que palavras acontece: o drama da liberdade se desvela. O Evangelho segundo Mateus (26,14-25) não nos oferece apenas a narrativa de uma traição, mas o retrato de uma condição eterna — a de todo ser que, mesmo à mesa do Amor, pode escolher o afastamento.
Judas, que partilha do mesmo pão, não é conduzido pela força das circunstâncias. Ele caminha sobre o solo sutil da decisão. E nesta decisão, o abismo se abre: o da separação da origem. Mas não há condenação antecipada. Há, sim, um aviso: “Melhor fora que não tivesse nascido.” Essa frase ecoa não como maldição, mas como o reconhecimento de que negar o sentido mais profundo da existência — a comunhão com o Logos — é renunciar ao próprio ser.
O Cristo não impõe, convida. Ele oferece a ceia como manifestação da união entre o visível e o invisível, entre o tempo e o eterno. Na partilha do pão, Ele revela que a liberdade não é um direito solto no acaso, mas uma força sagrada que exige consciência. Cada gesto humano é semente: pode ser dom ou ruptura, ascensão ou queda, união ou isolamento.
Há uma presença que não força, mas aguarda. Está na sala da ceia, está na pergunta dos discípulos: “Sou eu, Senhor?” Está, até mesmo, no olhar de Judas. Nada é escondido. Tudo é revelado à luz da verdade, que respeita a liberdade de cada consciência.
E assim, na tensão entre fidelidade e traição, o Cristo nos mostra que o destino não é um trilho fixo, mas uma resposta contínua ao chamado da verdade. O amor, quando verdadeiro, respeita até o silêncio do outro. E mesmo quando traído, não deixa de se doar.
Neste gesto supremo de liberdade oferecida e de decisão tomada, somos chamados a refletir: a cada instante, sentamos à mesa. A cada gesto, escolhemos entre a entrega ou a ruptura. E a cada passo, aproximamo-nos ou afastamo-nos do sentido mais profundo de sermos o que somos — chamados à comunhão com o Eterno.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação teológica profunda de Mateus 26,24
“O Filho do Homem vai, como está escrito dele; mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Melhor lhe fora não ter nascido esse homem.”
Essa frase de Jesus, pronunciada durante a Última Ceia, contém uma das mais densas expressões da tensão entre a soberania divina e a liberdade humana, revelando o coração do drama da Redenção.
“O Filho do Homem vai, como está escrito dele”
A primeira parte da frase afirma a soberania da vontade divina revelada nas Escrituras. O “vai” indica o cumprimento do caminho messiânico que culmina na Paixão. “Como está escrito dele” remete à realidade escatológica prevista desde os profetas: o Servo Sofredor (cf. Is 53), o justo entregue pelos injustos, o cordeiro levado ao sacrifício. Aqui, Jesus não se apresenta como vítima passiva, mas como aquele que aceita voluntariamente sua missão, inserida no desígnio eterno da reconciliação entre Deus e a criação. Ele “vai” para a cruz não como alguém arrastado pelas circunstâncias, mas como quem participa plenamente do plano do Pai.
“Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído!”
Surge aqui a tensão: embora a Paixão seja profetizada e necessária para a salvação do mundo, isso não justifica a traição de Judas. O “ai” proferido por Jesus não é mero lamento emocional, mas uma fórmula profética usada nas Escrituras para anunciar um juízo. Não se trata de uma condenação arbitrária, mas da constatação do abismo existencial no qual mergulha quem escolhe livremente afastar-se da Verdade encarnada.
O paradoxo é esse: o plano divino não depende da maldade humana, mas se realiza mesmo com ela — sem que isso absolva a culpa de quem, por decisão própria, coopera com a injustiça. Judas não é um instrumento cego de um destino predeterminado; ele é um ser livre, dotado de consciência, que escolhe não apenas um gesto, mas uma ruptura ontológica com o Amor.
“Melhor lhe fora não ter nascido esse homem.”
Esta expressão é teologicamente abissal. Ao dizer que seria melhor não ter nascido, Jesus revela que há um destino pior que a morte física: a perda do sentido do ser, a negação total da verdade e do bem, que implica a separação da comunhão divina. Não se trata apenas de punição, mas da constatação de que, para aquele que se fecha completamente à luz, a existência torna-se peso insuportável, pois ela perde a sua finalidade transcendente.
Esse dizer não condena Judas à perdição eterna de forma explícita, mas aponta que sua escolha livre — se não redimida pela conversão — conduz a um estado de existência em que a própria vida perde sua significação, pois rompeu-se o vínculo com o Princípio que a sustenta.
Conclusão:
Essa frase revela a seriedade radical da liberdade humana diante do Mistério da Encarnação. Cristo caminha para a cruz por amor e fidelidade ao plano do Pai, mas o traidor, ao recusar esse amor, exclui-se da comunhão. Deus respeita profundamente a liberdade, mas essa liberdade carrega um peso sagrado: escolher contra a verdade é escolher contra si mesmo. E, por isso, o “melhor não ter nascido” é o eco de uma dor que não vem de Deus, mas da recusa absoluta do bem.
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