Liturgia Diária
29 – QUINTA-FEIRA
6ª SEMANA DA PÁSCOA
(branco – ofício do dia)
“Ó Deus, quando saíste à frente do teu povo, avançando pelo deserto,a terra tremeu, e até o céu dissolveu-se na presença de Deus, na presença de Deus, o Deus de Israel.” (Salmo 68,8-9).
A existência de quem anuncia a verdade é sempre marcada por imprevistos que testam a constância da alma. No entanto, é pela fidelidade ao chamado interior — e não pelas circunstâncias — que o espírito se orienta. Quando a alegria brota da verdade livremente acolhida, nenhum contratempo obscurece o brilho do sentido. Encontrar-se com a Palavra viva é libertar-se do medo e permitir que a luz preencha o coração. Assim, caminhar torna-se ato de afirmação interior, mesmo em meio ao caos. Pois a verdadeira ordem nasce da consciência desperta, e a alegria que dela emana é semente de um mundo novo.
Evangelium secundum Ioannem 16,16–20
Lectio sancti Evangelii secundum Ioannem
16 Modicum, et iam non videbitis me: et iterum modicum, et videbitis me, quia vado ad Patrem.
Pouco tempo, e já não me vereis; e ainda um pouco, e me vereis novamente, porque vou para o Pai.
17 Dixerunt ergo ex discipulis eius ad invicem: Quid est hoc quod dicit nobis: Modicum, et non videbitis me: et iterum modicum, et videbitis me: et quia vado ad Patrem?
Disseram então alguns dos seus discípulos entre si: Que é isso que nos diz: Pouco tempo, e não me vereis; e ainda um pouco, e me vereis; e porque vou para o Pai?
18 Dicebant ergo: Quid est hoc quod dicit: Modicum? nescimus quid loquitur.
Diziam, pois: Que é isso que diz: Pouco tempo? Não sabemos o que quer dizer.
19 Cognovit autem Iesus quia volebant eum interrogare, et dixit eis: De hoc quaeritis inter vos quia dixi: Modicum, et non videbitis me: et iterum modicum, et videbitis me?
Jesus percebeu que queriam interrogá-lo e disse-lhes: Perguntais entre vós acerca do que eu disse: Pouco tempo, e não me vereis; e ainda um pouco, e me vereis?
20 Amen, amen dico vobis: quia plorabitis et flebitis vos, mundus autem gaudebit: vos autem contristabimini, sed tristitia vestra vertetur in gaudium.
Em verdade, em verdade vos digo: chorareis e vos lamentareis, enquanto o mundo se alegrará; estareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria.
Reflexão:
Toda separação aparente é um chamado à interiorização. No ciclo do não-ver e do reencontro, revela-se um princípio: a presença verdadeira não se impõe pela forma, mas pela consciência que a reconhece. Assim como a dor anuncia a transição, a alegria anuncia o sentido reencontrado. O tempo não é ausência, mas gestação. A ausência do visível não é perda, mas liberdade para o espírito crescer por si, em comunhão com o invisível que o habita. Cada alma, ao acolher a espera como parte do caminho, liberta-se da dependência e se abre ao nascimento de uma nova visão: ser é tornar-se.
Versículo mais importante:
João 16,20
Amen, amen dico vobis: quia plorabitis et flebitis vos, mundus autem gaudebit: vos autem contristabimini, sed tristitia vestra vertetur in gaudium.
Em verdade, em verdade vos digo: chorareis e vos lamentareis, enquanto o mundo se alegrará; estareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria. (João 16,20)
Esse versículo carrega uma verdade universal: o sofrimento, quando atravessado com fidelidade interior, torna-se o solo de uma alegria que não depende das circunstâncias, mas brota da maturidade do espírito. Ele expressa o princípio de que a dor não é fim, mas caminho de transfiguração.
HOMILIA
O Mistério da Alegria que Nasce da Ausência
Evangelho: João 16,16-20
"Em verdade, em verdade vos digo: chorareis e vos lamentareis, enquanto o mundo se alegrará; estareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria." — João 16,20
Há uma sabedoria oculta no compasso entre a ausência e a presença. Como o grão que morre no ventre da terra para germinar em vida nova, assim é a promessa que nos foi dada: a tristeza não é a última palavra. Aquilo que parece perda é, na verdade, um parto.
A ausência do Cristo não é abandono, mas expansão. O Cristo se oculta para poder estar em tudo. No silêncio, Ele se semeia. E no tempo, floresce. A dor que experimentamos não é erro nem castigo — é o estremecer da alma que está sendo dilatada para conter algo maior.
A alegria verdadeira não é um consolo passageiro, mas o desabrochar do espírito que, ao passar pela noite escura, começa a perceber que tudo coopera, que tudo vibra em um só sentido. A Criação inteira está grávida de sentido, e cada consciência é chamada a participar desse parto, não como expectadora, mas como coautora do novo.
Por isso, o Cristo nos prepara: haverá choro, haverá lamento, mas esses não serão ruínas — serão sinais de transição. O mundo celebrará suas pequenas vitórias, seus ruídos de poder e superfície. Mas aos que esperam com o coração desperto, será revelado um júbilo que o mundo não pode conter nem compreender.
A grande obra é esta: transfigurar a dor em potência criadora, não nos resignando à realidade como ela é, mas reconhecendo nela o movimento oculto do Amor que tudo eleva. A alegria prometida é aquela que emerge quando a liberdade interior encontra o seu lugar na comunhão com o Todo.
Assim, não temamos a ausência: ela é o véu do advento. O Cristo escondido é o Cristo universal, que nos conduz não apenas à consolação, mas à participação consciente na plenitude da existência. E essa alegria ninguém nos poderá tirar.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação teológica profunda de João 16,20
"Em verdade, em verdade vos digo: chorareis e vos lamentareis, enquanto o mundo se alegrará; estareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria."
(João 16,20)
Este versículo se insere no discurso de despedida de Jesus aos discípulos, nas vésperas da Paixão, e carrega uma densidade teológica e espiritual que toca o coração do mistério cristão: a transformação da dor em glória, da ausência em presença, da cruz em ressurreição.
A expressão "Em verdade, em verdade vos digo" (ἀμὴν ἀμὴν λέγω ὑμῖν) reforça a autoridade e a solenidade do que será dito. Não se trata apenas de uma previsão emocional, mas de uma realidade espiritual irrevogável, enraizada no próprio desígnio salvífico de Deus.
"Chorareis e vos lamentareis..." refere-se ao sofrimento imediato dos discípulos diante da morte de Jesus. Eles experimentarão o abismo da perda, a noite escura da alma, a frustração das esperanças humanas. Este choro não é apenas psicológico: é teológico. Representa a condição da criatura que, diante da morte do Criador encarnado, confronta o aparente silêncio de Deus.
"...enquanto o mundo se alegrará..." indica o contraste entre os discípulos e os que rejeitaram a missão de Cristo. O "mundo" (κόσμος) aqui simboliza a ordem caída, alienada de Deus — aquele sistema que celebra a aparente vitória sobre a Verdade. Esta alegria do mundo é irônica e trágica, pois se alegra com a supressão da Luz, desconhecendo que essa mesma Luz está prestes a triunfar.
"Estareis tristes..." — a tristeza aqui é a da separação, do amor que se vê privado da presença do Amado. É uma dor que toca o mais profundo da alma, pois nasce do amor autêntico e não do desespero.
"...mas a vossa tristeza se transformará em alegria." — Eis o coração teológico do versículo: a tristeza não será apenas retirada, mas transformada (em grego: μετατραπήσεται, verbo na voz passiva, indicando que essa transformação é operada por Deus). Esta não é uma simples troca emocional. A tristeza é assumida e transfigurada na alegria, do mesmo modo que o corpo do Cristo crucificado é o mesmo que ressuscita — mas agora glorioso.
Essa transformação é pascal: é a lógica da Cruz e da Ressurreição. Cristo não anula a dor, mas a atravessa, e com isso muda sua natureza. A tristeza torna-se um útero espiritual: a alegria que nasce dela carrega a memória do sofrimento, mas este já não tem domínio.
Teologicamente, este versículo aponta para o núcleo da esperança cristã: a fé no Deus que age no tempo, que transforma o que é fragmento em plenitude, que converte as lágrimas em fonte de vida. É também uma pedagogia da alma: o sofrimento vivido na fidelidade gera um tipo de alegria que não é euforia, mas plenitude no Espírito — alegria escatológica, que antecipa a consumação de todas as coisas em Cristo (cf. Ap 21,4).
Assim, João 16,20 não é apenas consolo. É revelação: o sofrimento não é o fim da história. Ele é o meio através do qual o amor se prova e, provado, se torna fecundo. E nesta fecundidade, a alegria final já se esconde como semente no ventre da dor.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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