Liturgia Diária
4 – DOMINGO
3o DOMINGO DA PÁSCOA
(branco, glória, creio – 3ª semana do saltério)
Aclamai a Deus, terra inteira, cantai salmos a seu nome, glorificai-o com louvores, aleluia (Sl 65,1s).
No âmago da consciência desperta, a centelha divina nos chama à escuta do próprio ser. Não há imposição, apenas o convite sereno ao reconhecimento da verdade que pulsa em nós. O Espírito não subjuga, mas inspira; não determina, mas revela o caminho onde a vontade se torna expressão do Bem. Cada decisão é semente no campo da eternidade, cultivada à luz do discernimento e da coragem. Assim, o ser humano se ergue, não como servo cego, mas como cooperador lúcido do mistério.
“Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.”
— 2 Coríntios 3:17
Evangelium secundum Ioannem 21,1–14
Apparitio Iesu ad mare Tiberiadis
1 Postea manifestavit se iterum Iesus discipulis ad mare Tiberiadis. Manifestavit autem sic:
Depois disso, Jesus manifestou-se novamente aos discípulos junto ao mar de Tiberíades. E manifestou-se deste modo:
2 Erant simul Simon Petrus et Thomas, qui dicitur Didymus, et Nathanaël, qui erat a Cana Galilææ, et filii Zebedæi, et alii ex discipulis eius duo.
Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos.
3 Dicit eis Simon Petrus: Vado piscari. Dicunt ei: Venimus et nos tecum. Et exierunt et ascenderunt in navem; et illa nocte nihil prendiderunt.
Disse-lhes Simão Pedro: Vou pescar. Disseram-lhe: Nós também vamos contigo. Saíram e subiram ao barco, e naquela noite nada pescaram.
4 Mane autem iam facto, stetit Iesus in littore; non tamen cognoverunt discipuli quia Iesus est.
Já ao amanhecer, Jesus estava na margem, mas os discípulos não sabiam que era Jesus.
5 Dixit ergo eis Iesus: Pueri, numquid pulmentarium habetis? Responderunt ei: Non.
Disse-lhes então Jesus: Filhos, tendes alguma coisa para comer? Responderam-lhe: Não.
6 Dixit eis: Mittite in dexteram navigii rete et invenietis. Miserunt ergo et iam non valebant illud trahere prae multitudine piscium.
Disse-lhes: Lançai a rede ao lado direito do barco e achareis. Lançaram-na, e já não podiam puxá-la, por causa da grande quantidade de peixes.
7 Dixit ergo discipulus ille, quem diligebat Iesus, Petro: Dominus est! Simon Petrus, cum audisset quia Dominus est, tunica succinxit se — erat enim nudus — et misit se in mare.
Então o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor! Simão Pedro, ouvindo que era o Senhor, cingiu-se com a túnica — pois estava nu — e lançou-se ao mar.
8 Alii autem discipuli navicula venerunt — non enim longe erant a terra, sed quasi cubitis ducentis — trahentes rete piscium.
Os outros discípulos vieram no barquinho — pois não estavam longe da terra, senão uns duzentos côvados — arrastando a rede com os peixes.
9 Ut ergo descenderunt in terram, vident prunas positas et piscem superpositum et panem.
Ao descerem em terra, viram brasas acesas, um peixe sobre elas e pão.
10 Dicit eis Iesus: Afferte de piscibus, quos prendidistis nunc.
Disse-lhes Jesus: Trazei alguns dos peixes que agora apanhastes.
11 Ascendit Simon Petrus et traxit rete in terram plenum magnis piscibus centum quinquaginta tribus; et cum tanti essent, non est scissum rete.
Subiu Simão Pedro e puxou a rede para a terra, cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes; e, sendo tantos, a rede não se rompeu.
12 Dicit eis Iesus: Venite prandete. Et nemo audebat discumbentium interrogare eum: Tu quis es? sciebant enim quia Dominus est.
Disse-lhes Jesus: Vinde, comei. E nenhum dos que estavam à mesa ousava perguntar-lhe: Quem és tu? Pois sabiam que era o Senhor.
13 Et venit Iesus et accipit panem et dat eis et piscem similiter.
Então Jesus veio, tomou o pão e o deu a eles, e da mesma forma o peixe.
14 Hoc iam tertio manifestatus est Iesus discipulis, cum resurrexisset a mortuis.
Esta foi já a terceira vez que Jesus se manifestou aos discípulos, depois de ressuscitar dos mortos.
Reflexão:
Há uma força em cada ser que anseia por plenitude e sentido — uma energia que se move do vazio da noite para a abundância do amanhecer. O chamado do Cristo não impõe: ele convida à escuta, ao movimento voluntário, à coragem de lançar a rede onde antes houve fracasso. A liberdade de reconhecer a presença do invisível abre o caminho da verdadeira comunhão. Ali, onde o pão é partilhado, há também uma revelação da vocação de cada ser: cooperar com a vida. É no ato livre de responder, de lançar-se à água, que a alma se transforma em testemunha da luz.
Versículo mais importante:
Dixit ergo discipulus ille, quem diligebat Iesus, Petro: Dominus est! Simon Petrus, cum audisset quia Dominus est, tunica succinxit se — erat enim nudus — et misit se in mare.
Então o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor! Simão Pedro, ouvindo que era o Senhor, cingiu-se com a túnica — pois estava nu — e lançou-se ao mar. (Jo 21:7)
Esse versículo simboliza o despertar espiritual que vem do amor e do reconhecimento livre da presença divina. A resposta de Pedro — saltar ao mar — é um gesto de entrega voluntária, sem cálculo, que revela a liberdade do espírito diante da Verdade revelada.
HOMILIA
Na Aurora do Reconhecimento
(João 21,1–14)
À beira do mar, entre o som das ondas e o silêncio da noite improdutiva, um pequeno grupo de homens busca sentido em sua tarefa cotidiana. Lançam redes ao vazio, como quem procura no mundo exterior o que, na verdade, pulsa desde sempre no interior do ser. E então, ao amanhecer, quando a luz começa a desenhar as formas do real, uma Voz os chama da margem: “Filhos, tendes algo para comer?”. A pergunta não é sobre o peixe, mas sobre a fome mais profunda — aquela que nenhuma captura material pode saciar.
O Cristo, presente e discreto, revela-se não com alarde, mas com direção: “Lançai a rede à direita”. A resposta à escassez não vem da repetição do esforço, mas da escuta que se alinha à origem da vida. Quando obedecem, as redes se enchem. Aqui não há milagre como espetáculo, mas um sinal de que, quando a vontade do ser se harmoniza com a Vontade que tudo move, o vazio se transforma em abundância.
O discípulo amado, aquele que ama com o coração livre, é o primeiro a reconhecer: “É o Senhor!”. E Pedro, impelido por esse reconhecimento, se lança à água. Não há cálculo em seu gesto, apenas impulso puro. A liberdade verdadeira não é resistência à entrega, mas a ousadia de mergulhar no chamado, mesmo sem compreender tudo. Na margem, Cristo não apenas espera — já preparou o pão e o peixe. Ele antecipa, nutre, partilha.
Este encontro é uma imagem do caminho de cada ser: da busca ao encontro, do labor vazio à escuta frutífera, do não saber ao reconhecimento. A vida não é uma soma de acasos, mas um processo de revelação progressiva. Cada gesto livre, cada resposta amorosa, cada escolha feita à luz do bem é uma construção interior da realidade total. Não somos apenas pescadores — somos também construtores do sentido último, cooperadores da plenitude.
Assim, o Ressuscitado continua a se manifestar, não fora, mas na margem onde a consciência desperta. E cada um que ouve a voz e responde, torna-se parte do grande movimento da existência que não retrocede, mas avança — sempre — rumo ao fogo que já brilha na praia, onde pão e verdade nos esperam.
EXPLICAÇAO TEOLÓGICA
A frase de João 21,7 — “Então o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor! Simão Pedro, ouvindo que era o Senhor, cingiu-se com a túnica — pois estava nu — e lançou-se ao mar” — é densamente simbólica e carrega uma profundidade teológica que toca o coração da revelação cristã, da antropologia espiritual e da resposta livre à presença divina.
1. “O discípulo a quem Jesus amava” reconhece
João, o discípulo do amor, representa a alma contemplativa, aquela que está interiormente unida ao Verbo. Ele não reconhece com os olhos da carne, mas com a percepção espiritual que nasce do amor. É o amor que vê primeiro — pois o amor é o mais íntimo dos caminhos para a verdade. Em João, o amor não é passivo: é cognoscente, porque o amor conhece o Amado.
2. Pedro precisa ouvir para reconhecer
Pedro, figura da Igreja ativa, do pastoreio e da missão, não é o primeiro a ver, mas o primeiro a agir. Ele precisa da palavra do outro, como a humanidade precisa da voz profética e do testemunho contemplativo para reconhecer os sinais de Deus. A fé nasce muitas vezes da escuta humilde. “Fides ex auditu” — a fé vem pela escuta (Rm 10:17).
3. “Cingiu-se com a túnica” — a veste da dignidade
O ato de Pedro vestir-se simboliza mais do que um gesto físico. Na linguagem bíblica, a nudez representa vulnerabilidade, fragilidade, ou até a condição de queda. Ao cingir-se, Pedro recupera sua dignidade, prepara-se para o encontro com o Sagrado. A túnica é símbolo da consciência, do retorno à inteireza espiritual. Ele cobre-se não por medo, mas por reverência e prontidão.
4. “E lançou-se ao mar” — o salto da fé
O mar, símbolo de mistério e profundidade, pode ser visto como a travessia da alma em direção ao Infinito. Pedro se lança — não anda, não hesita, mas salta. Seu gesto é uma entrega imediata, voluntária, um abandono da segurança do barco (símbolo da estrutura eclesial) para buscar diretamente a presença do Senhor. Aqui se vê uma fé que já não precisa de intermediações, mas deseja o contato direto.
Conclusão teológica:
Essa passagem mostra duas faces da Igreja e da alma: o amor que reconhece e a fé que se lança. João vê com o coração; Pedro se move com o ímpeto da liberdade reencontrada. O Ressuscitado não se impõe — ele se revela. E cada alma, ao ouvi-Lo, é convidada a vestir sua dignidade e a lançar-se no mar da liberdade interior, em direção à margem onde o Fogo Eterno já a espera com pão e paz.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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