Liturgia Diária
15 – SEXTA-FEIRA
32ª SEMANA COMUM
(verde – ofício do dia)
Quia mille anni ante oculos tuos tamquam dies hesterna, quae praeteriit, et custodia in nocte. (Salmo 90:4) da Vulgata
Porque mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem que passou, e como uma vigília da noite.
Esse versículo sugere a relatividade do tempo diante da eternidade divina e como os eventos terrenos podem ocorrer repentinamente sob o olhar de Deus, assim como foi nos dias de Noé e de Ló. A passagem de Lucas retoma essa percepção de tempo divino, onde a vinda do Filho do Homem pode surpreender, exigindo que os seres humanos estejam preparados e desapegados das coisas terrenas.
Lucas 17:26-37 (Vulgata)
26 Et sicut factum est in diebus Noë, ita erit et in diebus Filii hominis.
26 E como aconteceu nos dias de Noé, assim será também nos dias do Filho do Homem.
27 edebant et bibebant, uxores ducebant, et dabantur ad nuptias, usque in diem qua intravit Noë in arcam: et venit diluvium, et perdidit omnes.
27 Comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca; e veio o dilúvio e destruiu a todos.
28 Similiter sicut factum est in diebus Lot: edebant et bibebant, emebant et vendebant, plantabant et ædificabant;
28 Do mesmo modo, como aconteceu nos dias de Ló: comiam e bebiam, compravam e vendiam, plantavam e construíam;
29 qua die autem exiit Lot a Sodomis, pluit ignem et sulphur de cælo, et omnes perdidit:
29 no dia em que Ló saiu de Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu, e destruiu a todos.
30 secundum hæc erit qua die Filius hominis revelabitur.
30 Assim será no dia em que o Filho do Homem se manifestar.
31 In illa hora, qui fuerit in tecto, et vasa ejus in domo, ne descendat tollere illa: et qui in agro, similiter non redeat retro.
31 Naquele dia, quem estiver no telhado e tiver seus bens em casa, não desça para pegá-los; e quem estiver no campo, do mesmo modo, não volte para trás.
32 Mementote uxoris Lot.
32 Lembrai-vos da mulher de Ló.
33 Quicumque quaesierit animam suam salvare, perdet illam: et, quicumque perdiderit illam, vivificabit eam.
33 Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem a perder, conservá-la-á para a vida.
34 Dico vobis: in illa nocte erunt duo in lecto uno: unus assumetur, et alter relinquetur:
34 Digo-vos que naquela noite estarão dois numa cama: um será tomado e o outro será deixado.
35 duæ erunt molentes in unum: una assumetur, et altera relinquetur.
35 Duas estarão moendo juntas: uma será tomada e a outra será deixada.
37 Respondentes dicunt illi: Ubi, Domine? Qui dixit eis: Ubicumque fuerit corpus, illuc congregabuntur et aquilæ.
37 Perguntaram-lhe: Onde, Senhor? Ele lhes respondeu: Onde estiver o corpo, ali se juntarão as águias.
Reflexão:
"Quicumque quaesierit animam suam salvare, perdet illam: et, quicumque perdiderit illam, vivificabit eam."
"Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem a perder, conservá-la-á para a vida." (Lc 17:33)
As palavras do Filho do Homem apontam para uma transformação interior que não segue ritmos terrenos, mas cósmicos. Assim como o dilúvio e o fogo simbolizam mudanças repentinas, o despertar espiritual surge como uma luz inesperada, que exige desapego e abertura à plenitude da vida. A busca pela autossalvação, por meio de posses e apegos, impede que a alma acesse a dimensão mais profunda da realidade. Quando tudo é abandonado, abre-se a visão da verdade, que une o humano ao Divino em um só horizonte, transcendendo o mundo físico e alcançando o destino supremo da criação.
HOMILIA
"Para Encontrar a Vida, É Preciso Perdê-la"
Queridos irmãos e irmãs,
O Evangelho de hoje nos fala com palavras fortes e desafiadoras sobre o que significa encontrar o verdadeiro sentido da vida. Quando Jesus diz que "quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem a perder, conservá-la-á para a vida" (Lc 17,33), Ele nos revela o paradoxo fundamental da existência: aquilo que verdadeiramente importa e nos aproxima de Deus não está no acúmulo de bens, na afirmação do nosso ego ou na busca incessante de segurança. Pelo contrário, é quando renunciamos a essas coisas, quando soltamos o que nos amarra à ilusão de controle e à ânsia de posse, que nos abrimos para uma vida mais plena e verdadeira, uma vida que não se esgota nos limites da matéria.
Vivemos em uma época de grandes avanços materiais e tecnológicos, mas também de profunda inquietação espiritual. Somos incentivados a acumular, a construir identidades sólidas e a buscar garantias contra toda forma de vulnerabilidade. No entanto, por mais que nossos lares estejam cheios e nossa imagem pública esteja lapidada, percebemos que algo essencial ainda nos escapa. Nossos corações, no fundo, anseiam por algo que nem a posse de bens nem a segurança do ego podem dar: o encontro com a eternidade, o contato com o divino.
Jesus nos convida a romper com essa lógica de autossuficiência. A vida que Ele propõe é uma vida paradoxal, que exige desapego e uma confiança inabalável. Não se trata de rejeitar o mundo ou de negar as bênçãos que recebemos, mas de situá-las em uma perspectiva mais ampla e profunda, onde as posses são apenas meios e não fins, onde o ego é uma etapa e não um destino, e onde a autoconservação não é o valor supremo.
Abandonar o apego à nossa própria vontade e ao conforto da segurança abre uma porta para a liberdade interior. Quando renunciamos ao domínio do “eu”, permitimos que Deus nos habite, que Sua presença preencha o vazio que antes tentávamos preencher com coisas e status. Esse desprendimento nos conduz a uma união com o mistério da criação, onde percebemos que fazemos parte de um movimento maior, uma jornada que transcende o individual e o imediato. Na aceitação de nossa pequenez, encontramos nossa verdadeira grandeza; na entrega de nossa vida, descobrimos a Vida que nunca passa.
Portanto, somos chamados a ousar perder o que pensamos possuir para encontrar aquilo que nos espera na eternidade. Esta é a promessa de Jesus: que ao deixar ir as coisas que não podem nos salvar, recebemos em troca a verdadeira vida, a vida que se une ao Amor de Deus e se torna parte do próprio coração do universo. Que o Espírito Santo nos conduza nessa jornada de desapego e que possamos, um dia, alcançar a plenitude dessa Vida que já nos espera no âmago do mistério divino. Amém.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação Teológica de Lucas 17,33: "Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem a perder, conservá-la-á para a vida"
1. O Paradoxo do Apego e da Vida Verdadeira
A frase de Jesus expõe um paradoxo que desafia nossa compreensão habitual da vida: ao tentar "salvar" nossa própria vida, acabamos por perdê-la; ao "perdê-la", conservamo-la para a vida eterna. O "salvar a vida" se refere a um apego que muitos têm às seguranças terrenas — bens materiais, reputação, poder e controle sobre o próprio destino. Jesus nos ensina que, paradoxalmente, quanto mais nos agarramos a esses elementos, mais nos afastamos da verdadeira Vida. A segurança que buscamos nas coisas finitas acaba por nos aprisionar, pois a ânsia de controle e de posse desvia nossa alma do que é realmente essencial e eterno.
2. Vida Física e Vida em Deus
A palavra "vida", neste contexto, vai além da mera existência biológica. Jesus fala de uma dimensão mais profunda: a "vida em Deus". Enquanto a vida física é passageira e limitada, a vida em Deus é plena, eterna e transcendente. Ao tentar "salvar" nossa vida por meios terrenos, estamos, na verdade, colocando barreiras entre nós e a plenitude que só Deus pode oferecer. Assim, apegar-se a uma vida egoica, centrada em si mesmo, é perder o acesso à fonte da verdadeira Vida. Esse apego nos impede de encontrar a paz e a liberdade que brotam de uma relação de plena confiança em Deus.
3. O Significado de "Perder a Vida"
Quando Jesus fala sobre "perder a vida", Ele se refere a um ato de entrega e desapego, em que renunciamos ao domínio do ego e do apego material. Este "perder" não é uma anulação da própria vida, mas um abandono das falsas seguranças e do desejo de controle sobre tudo. Aquele que “perde” a vida nesse sentido se abre à ação de Deus, permitindo que o amor divino ocupe o espaço antes controlado pelo ego e pelas posses. Nesse movimento de entrega, a pessoa encontra a verdadeira essência de sua existência, um ser que se transcende, unindo-se ao mistério do próprio Deus.
4. A Conservação da Vida pela União com Deus
Ao "perder a vida" terrena — ou seja, ao renunciar à centralidade do ego e ao apego a bens finitos —, a pessoa passa a "conservar" sua vida em um sentido eterno. Esse desprendimento abre o ser humano para a comunhão plena com Deus, onde a verdadeira Vida é encontrada. Aqui, conservar a vida significa participar da vida divina, que não está sujeita às limitações do tempo ou da morte. A renúncia ao ego e à posse não é uma perda, mas uma transformação, em que nossa essência é unida ao amor eterno e incondicional do Criador.
5. Conversão Interior e Participação na Vida Eterna
A frase de Jesus, portanto, é um chamado a uma conversão profunda. Somos convidados a abandonar a ilusão de autossuficiência e a confiar inteiramente em Deus. Esta conversão interior exige coragem para renunciar ao que o mundo oferece como "salvação" e a buscar uma vida baseada na fé e na comunhão com o divino. Ao responder a este chamado, encontramos não apenas a salvação, mas também a verdadeira liberdade e paz que só o Amor de Deus pode oferecer. A vida que se une a Deus é conservada, pois sua essência ultrapassa a morte, unindo-se ao eterno e imutável Coração do próprio Deus.
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