Liturgia Diária
8 – TERÇA-FEIRA
14ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Recebemos, Senhor, vossa misericórdia no meio do vosso templo. Como vosso nome, ó Deus, assim vosso louvor ressoa até os confins da terra; vossa destra está cheia de justiça (Sl 47,10s).
A existência é combate invisível entre a Luz que chama e as sombras que resistem. Viver, então, é escolher—livremente—abrir-se à Presença que transforma. Cada alma, templo sagrado, colabora com o Sopro divino para desfazer as cadeias do medo e da ignorância. A verdadeira força não domina, mas eleva; não impõe, mas desperta. Honremos, pois, os caídos no caminho, estendendo-lhes o alento que nos foi dado. Pois quem caminha com o Alto, não subjuga, guia. E quem é guiado pelo Espírito, jamais será escravo, pois encontrou o Pastor interior.
“O Espírito do Senhor está sobre mim... para libertar os oprimidos.” (Lc 4,18)
Evangelho: Secúndum Matthæum 9,32-38
Liturgia: In Missióne Apostolórum
32 Egressis autem illis, ecce obtulerunt ei hominem mutum dæmonium habentem.
Quando eles saíram, trouxeram-lhe um homem mudo, possuído por um demônio.
33 Et ejecto dæmonio, locutus est mutus: et miratæ sunt turbæ, dicentes: Numquam apparuit sic in Israël.
Expulso o demônio, o mudo falou; e as multidões maravilhavam-se, dizendo: Jamais se viu algo assim em Israel.
34 Pharisæi autem dicebant: In principe dæmoniorum ejicit dæmones.
Mas os fariseus diziam: É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios.
35 Et circumibat Jesus omnes civitates, et castella, docens in synagogis eorum, et prædicans Evangelium regni, et curans omnem languorem, et omnem infirmitatem.
Jesus percorria todas as cidades e aldeias, ensinando em suas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando toda enfermidade e toda doença.
36 Videns autem turbas, misertus est eis: quia erant vexati, et jacentes sicut oves non habentes pastorem.
Ao ver as multidões, teve compaixão delas, porque estavam aflitas e abatidas, como ovelhas sem pastor.
37 Tunc dicit discipulis suis: Messis quidem multa, operarii autem pauci.
Então disse a seus discípulos: A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos.
38 Rogate ergo Dominum messis, ut mittat operarios in messem suam.
Rogai, pois, ao Senhor da colheita que envie trabalhadores para a sua messe.
Reflexão:
Há uma energia que pulsa em todas as coisas, chamando à superação do caos interior. Cada gesto de cura e cada palavra libertadora são sinais de que o humano foi feito para se elevar, não para se submeter. Quando o Cristo expulsa o silêncio imposto pelo mal, ele restitui à pessoa o direito de se expressar, de ser. A liberdade verdadeira nasce da comunhão com esse movimento ascendente da Vida. O Reino anunciado não é estático: é tarefa, semente, horizonte. Em cada ser humano, habita um chamado a tornar-se mais do que é, pelo amor que age e ilumina.
Versículo mais importante:
O versículo mais central de Evangelho: Secúndum Matthæum 9,32-38 — aquele que resume o olhar compassivo e a missão libertadora de Cristo — é o versículo 36:
36 Videns autem turbas, misertus est eis: quia erant vexati, et jacentes sicut oves non habentes pastorem.
Ao ver as multidões, teve compaixão delas, porque estavam aflitas e abatidas, como ovelhas sem pastor. (Mt 9:36)
Este versículo revela o coração do Cristo que, ao contemplar o sofrimento humano, não permanece indiferente. Ele vê a dignidade esquecida em cada ser e convoca à ação transformadora que liberta, guia e eleva.
HOMILIA
O Grito Silencioso da Alma e a Colheita da Luz
No silêncio do possesso, a Palavra aguardava sua hora. No mudo, que não podia clamar, o Verbo já pulsava, aprisionado pelas trevas. E ao ser libertado, não apenas falou — revelou a presença viva da Fonte que liberta toda criatura. Este trecho do Evangelho de Mateus nos convida a contemplar algo mais profundo do que a cura física: somos convidados a enxergar o movimento da alma que, quando tocada pela luz, reencontra sua voz, sua essência, sua liberdade.
Há, em cada ser humano, uma semente que busca romper o solo duro da ignorância e da opressão interior. Muitos estão como “ovelhas sem pastor”, não porque lhes falte direção externa, mas porque perderam o elo com a Fonte que dá sentido à existência. Cristo, ao ver as multidões, não apenas observou — Ele sentiu a condição existencial das almas, e sua compaixão não foi mero sentimento: foi ação, foi impulso transformador. Nele, o Verbo eterno se move para reordenar o que estava disperso e despertar aquilo que em nós adormeceu.
A “messe é grande” porque a consciência humana está em constante parto. Cada ser é chamado a ser operário desta colheita, não apenas nos campos do mundo, mas nos espaços secretos do próprio coração. A verdadeira messe é o florescimento da liberdade interior, a passagem da sombra para a luz, da passividade para a comunhão criadora com o Bem.
O demônio que aprisionava o mudo simboliza tudo aquilo que sufoca o nosso ser profundo — medos, estruturas, palavras não ditas, dons não cultivados. Cristo não apenas cura: Ele revela. E o que Ele revela é a dignidade escondida em cada um, a vocação de ser plenamente, de existir em comunhão com a Origem.
Que esta Palavra nos convoque. Que não permaneçamos como expectadores da luz, mas trabalhadores conscientes do Reino que se constrói em cada decisão de amar, de elevar, de libertar. Porque todo o cosmos está em gestação, e cada alma é um campo onde o eterno deseja florescer.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
O versículo “Ao ver as multidões, teve compaixão delas, porque estavam aflitas e abatidas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9:36) é um verdadeiro portal para perceber a dinâmica entre a condição humana e o desígnio divino, revelando três aspectos fundamentais:
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A Visão Transcendente do Sofrimento
Cristo não enxerga apenas corpos cansados ou corações aflitos; Ele percebe o descompasso profundo entre a centelha divina em cada alma e as correntes que a mantêm subjugada. “Aflitas e abatidas” descreve um estado existencial em que o sujeito perde o rumo de sua vocação originária — a comunhão plena com a Fonte que lhe deu ser. Essa compaixão não é mero estímulo emocional, mas o reconhecimento de que o universo inteiro está em tensão criativa, clamando pela reconciliação de todas as coisas no Amor primordial. -
A Metáfora da Ovelha e o Princípio de Unidade
A imagem da ovelha sem pastor revela nossa condição metafísica de “seres-em-comunhão” que, sem um guia interior, se dispersam em fragmentos psíquicos e sociais. A ovelha simboliza a individualidade que, reconhecendo sua fragilidade, anseia por orientação. O Pastor, figura do Verbo encarnado, é o princípio unificador que convoca cada fragmento à sua síntese na verdadeira liberdade: não a autonomia isolada, mas a liberdade que brota da obediência consciente à Voz que harmoniza todos os coros. -
Chamado à Responsabilidade Coletiva
Ver a multidão com compaixão é assumir que a salvação não é apenas ato pontual, mas processo contínuo de interior evolução. Somos convidados não apenas a ser curados, mas a tornar-nos “operários da messe”, facilitando, no coletivo, o florescimento dessa liberdade digna. Cada gesto de atenção amorosa espelha a ação criadora inicial: a Palavra que exime o caos e chama ao existir consciente.
Em suma, Mt 9:36 nos desafia a reconhecer o sofrimento como indício do desvendamento de nossa própria alma e do cosmos. A compaixão de Cristo inaugura um movimento em que cada um, ao reencontrar sua voz originária, converte-se também em pastor para os irmãos, tecendo juntos a vastidão da colheita eterna.
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