Liturgia Diária
14 – SEGUNDA-FEIRA
15ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Contemplarei, justificado, a vossa face; e ficarei saciado quando se manifestar a vossa glória (Sl 16,15).
A alma desperta não caminha ilesa entre os impérios da prepotência. Mesmo os filhos da luz enfrentam a sombra da tirania e o peso das estruturas que anulam o indivíduo. No entanto, nenhuma força subjuga o sopro da Promessa. A centelha do Espírito sopra onde quer, afirmando o direito inato à liberdade. Cada ser, portador do sagrado, carrega dentro de si a dignidade inviolável de existir com consciência. A ordem divina não se curva ao domínio arbitrário, pois “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”
— 2 Coríntios 3:17
Evangelium secundum Matthaeum
X Dominica per Annum – Non veni pacem mittere, sed gladium
(Mt 10,34–11,1)
10,34 Nolite arbitrari quia venerim mittere pacem in terram: non veni pacem mittere, sed gladium.
Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada.
10,35 Veni enim separare hominem adversus patrem suum, et filiam adversus matrem suam, et nurum adversus socrum suam.
Pois vim separar o filho de seu pai, a filha de sua mãe, a nora de sua sogra.
10,36 Et inimici hominis domestici eius.
E os inimigos do homem serão os da sua própria casa.
10,37 Qui amat patrem aut matrem plus quam me, non est me dignus; et qui amat filium aut filiam super me, non est me dignus.
Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim.
10,38 Et qui non accipit crucem suam, et sequitur me, non est me dignus.
E quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim.
10,39 Qui invenit animam suam, perdet illam: et qui perdiderit animam suam propter me, inveniet eam.
Quem encontra a sua alma, perdê-la-á; e quem perde a sua alma por minha causa, encontrá-la-á.
10,40 Qui recipit vos, me recipit: et qui me recipit, recipit eum qui me misit.
Quem vos recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou.
10,41 Qui recipit prophetam in nomine prophetæ, mercedem prophetæ accipiet: et qui recipit justum in nomine justi, mercedem justi accipiet.
Quem recebe um profeta na qualidade de profeta, receberá a recompensa de profeta; e quem recebe um justo na qualidade de justo, receberá a recompensa de justo.
10,42 Et quicumque potum dederit uni ex minimis istis calicem aquæ frigidæ tantum in nomine discipuli: amen dico vobis, non perdet mercedem suam.
E todo aquele que der de beber, ainda que seja apenas um copo de água fria, a um destes pequenos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá sua recompensa.
11,1 Et factum est: cum consummasset Jesus præcipiens duodecim discipulis suis, transiit inde ut doceret et prædicaret in civitatibus eorum.
E aconteceu que, quando Jesus acabou de dar essas instruções a seus doze discípulos, partiu dali para ensinar e pregar nas cidades deles.
Reflexão:
A verdade não se impõe pelo conforto, mas pela consciência que desperta mesmo no meio das rupturas. Cada ser humano é chamado à liberdade interior, que não se confunde com segurança externa, mas com a fidelidade à voz que o transcende. A cruz não é prisão, mas portal. Perder-se por algo maior é reconhecer que o valor supremo da existência reside na entrega àquilo que nos excede e nos eleva. O amor, quando liberto da posse, revela sua força criadora. E na abertura a esse chamado, cada ato de justiça, por menor que pareça, participa da eternidade.
Versículo mais importante:
O versículo mais importante de Mateus 10,34–11,1 é geralmente considerado o versículo 10,39, pois ele expressa o paradoxo central do seguimento de Cristo e a essência da entrega radical:
10,39
Qui invenit animam suam, perdet illam: et qui perdiderit animam suam propter me, inveniet eam.
Quem encontra a sua alma, perdê-la-á; e quem perde a sua alma por minha causa, encontrá-la-á. (Mt 10:39)
Esse versículo revela a inversão profunda dos valores terrenos diante da verdade espiritual: a autêntica vida só é encontrada na entrega.
HOMILIA
O Caminho da Liberdade Interior
Amados,
O Evangelho segundo Mateus nos conduz hoje a um limiar profundo da consciência espiritual: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada” (Mt 10,34). Esta afirmação, ao mesmo tempo dura e libertadora, não anuncia violência externa, mas revela o corte necessário que separa o velho do novo, o inerte do vivo, o condicionado do livre.
A “espada” que Cristo traz é a energia do discernimento que fere ilusões para que brote a verdade. É o instrumento simbólico do despertar interior — uma cisão que não destrói, mas liberta. Ele não veio pacificar as zonas adormecidas da alma com o consolo fácil, mas convocar o espírito a atravessar a ruptura do comodismo rumo à plenitude da existência consciente.
“Quem encontra a sua alma, perdê-la-á; e quem perde a sua alma por minha causa, encontrá-la-á” (Mt 10,39). Este é o centro do chamado. Perder a alma, aqui, não é a negação de si, mas a rendição da máscara que construímos sob o peso dos afetos, das convenções e da herança não escolhida. Encontrar a alma é redescobri-la em sua fonte, purificada da posse e transfigurada pelo amor que não exige nada em troca.
O Cristo que fala não é apenas uma figura histórica, mas a centelha que vibra em todo ser que aspira à verdade. Seu chamado nos separa — não por crueldade, mas por justiça. Separa-nos de tudo aquilo que nos reduz à repetição e nos impede de sermos plenamente livres. O amor que ele exige é um amor fundado na liberdade interior, não na dependência afetiva. Por isso, quem ama pai ou mãe mais do que a Ele, não está pronto: ainda se ancora no mundo da carne, não do Espírito.
E o Espírito não aprisiona. Ele é vento que sopra onde quer, semente de dignidade em cada ser, mesmo no mais pequeno. Assim, o gesto mais simples — dar um copo de água ao pequeno em nome do discípulo — não escapa à eternidade. O Reino não se constrói em espetáculos, mas em atos secretos de fidelidade à luz.
Ser digno de Cristo é aceitar carregar a cruz da transformação interior. É reconhecer que o conflito, a perda e até a separação fazem parte do processo de ascensão. Mas esse processo é dinâmico: “E aconteceu que, quando Jesus acabou de dar essas instruções... partiu dali para ensinar e pregar” (Mt 11,1). O Cristo segue adiante — e nós com Ele. A vida não para onde dói. Ela se move, ensina, e planta cidades no deserto.
Que esta espada nos fira — não para matar, mas para abrir. E que o corte nos liberte da prisão do eu fechado, para que sejamos um com Aquele que nos envia, e que em nós deseja nascer.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Exploração Teológica e Metafísica de Mateus 10,39
“Quem encontra a sua alma, perdê-la-á; e quem perde a sua alma por minha causa, encontrá-la-á.”
1. A Alma como Centro da Identidade Espiritual
A palavra “alma” neste versículo (psychē no grego) não se refere apenas à vida biológica ou ao princípio vital, mas ao núcleo profundo da identidade pessoal — à consciência individual que busca seu próprio sentido. É a centelha que anima o ser humano como portador da imagem divina (cf. Gn 1,27), com liberdade, vontade e capacidade de amar.
Encontrar a alma, nesse contexto, significa apegar-se à identidade construída pelo ego: à falsa estabilidade, ao controle, à autossuficiência. Trata-se da alma que busca salvar-se por seus próprios meios, protegendo-se da entrega e do risco do amor radical.
2. A Perda como Caminho de Transfiguração
Jesus introduz aqui um paradoxo redentor: para encontrar a verdadeira alma, é preciso perdê-la. Mas esta perda não é aniquilação, e sim transfiguração. Quem perde a alma “por causa de Cristo” — isto é, quem renuncia à posse de si em nome do Amor absoluto — reencontra sua identidade num nível mais elevado: não como algo que se possui, mas como algo que se recebe e participa do eterno.
A perda da alma equivale à rendição do eu fechado, da alma centrada em si mesma. É a passagem da psicologia do domínio à ontologia da comunhão. Só se encontra verdadeiramente o ser quando ele é entregue, oferecido, sacrificado — como semente que morre para gerar vida (cf. Jo 12,24).
3. O Seguimento de Cristo como Ascese da Liberdade
“Por minha causa” é a chave do versículo. A perda da alma só adquire sentido pleno quando é motivada por um amor que transcende o próprio sujeito. Não se trata de autonegação como destruição, mas de um esvaziamento que torna possível a acolhida do Outro — do Logos divino — como critério da existência.
Cristo não exige renúncia por ascetismo, mas por libertação. A alma que se entrega a Ele é introduzida num movimento de liberdade interior que a livra das amarras da necessidade, da dependência afetiva e da ilusão do controle. É a ascese da liberdade, pela qual o ser humano se reencontra como filho no Filho, participante da comunhão trinitária.
4. O Paradoxo como Estrutura da Realidade Redimida
A frase de Jesus revela uma estrutura fundamental da realidade espiritual: o paradoxo. O Reino de Deus se manifesta em inversões — perder para ganhar, morrer para viver, servir para reinar. Este é o modo como o divino se comunica com o humano: não por lógica binária, mas por síntese superior.
Quem tenta conservar sua alma, perde-a porque a congela; quem a entrega, reencontra-a porque a libera ao seu princípio criador. A vida verdadeira está além do apego, e só é acessível por meio da doação.
5. A Dignidade da Pessoa como Vocação à Entrega
Neste ensinamento, a dignidade da pessoa humana não é reduzida, mas exaltada. O ser é chamado a participar livremente da verdade eterna, e essa participação exige um ato livre de abandono. A entrega de si não é alienação, mas cumprimento. Perder-se por Cristo é tornar-se verdadeiramente pessoa, pois a pessoa só se realiza na relação, no dom, na alteridade.
A dignidade é, portanto, inseparável da liberdade, e a liberdade se consuma na escolha do Bem absoluto. Cristo não nega a alma: Ele a revela, purificada e renascida da entrega.
Conclusão
“Quem encontra a sua alma, perdê-la-á; e quem perde a sua alma por minha causa, encontrá-la-á” é uma convocação a atravessar a ilusão do eu fechado para emergir na luz do ser pleno. É o chamado ao êxodo interior, onde a alma se perde como gota no oceano para reencontrar-se como onda na eternidade. Não é aniquilação, mas glorificação — pois em Cristo, tudo o que se entrega, ressurge.
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