Liturgia Diária
6 – DOMINGO
14º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(verde, glória, creio – 2ª semana do saltério)
Recebemos, Senhor, vossa misericórdia no meio do vosso templo. Como vosso nome, ó Deus, assim vosso louvor ressoa até os confins da terra; vossa destra está cheia de justiça (Sl 47,10s).
Cristo nos chama a reconhecer, na memória viva de sua paixão, morte e ressurreição, a dignidade inviolável da consciência humana em busca de sentido. A Palavra e a Eucaristia são fontes de interioridade e liberdade, que nos impulsionam à missão como expressão autêntica do ser. Tornamo-nos então mediadores da paz, não por imposição, mas por escuta, diálogo e presença. Mesmo em cenários polarizados, somos convocados a anunciar os sinais do Reino — uma realidade invisível que emerge onde há respeito, justiça e amor ativo. O Reino está próximo quando o indivíduo se torna templo do Bem e construtor do possível.
Liturgia: Dominica XIV per Annum (C)
Evangelium secundum Lucam (Lc 10,1-12.17-20)
1 Post hæc autem designavit Dominus et alios septuaginta duos: et misit illos binos ante faciem suam in omnem civitatem et locum, quo erat ipse venturus.
Depois disso, o Senhor designou outros setenta e dois, e os enviou dois a dois, à sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir.
2 Et dicebat illis: Messis quidem multa, operarii autem pauci. Rogate ergo Dominum messis, ut mittat operarios in messem suam.
E dizia-lhes: A colheita é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie operários para a sua colheita.
3 Ite: ecce ego mitto vos sicut agnos inter lupos.
Ide: eis que vos envio como cordeiros entre lobos.
4 Nolite portare sacculum, neque peram, neque calceamenta: et neminem per viam salutaveritis.
Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias; e a ninguém saudeis pelo caminho.
5 In quamcumque domum intraveritis, primum dicite: Pax huic domui.
Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: A paz esteja nesta casa.
6 Et si ibi fuerit filius pacis, requiescet super illum pax vestra: sin autem, ad vos revertetur.
E, se ali houver um filho da paz, vossa paz repousará sobre ele; senão, ela voltará a vós.
7 In eadem autem domo manete, edentes et bibentes quæ apud illos sunt: dignus est enim operarius mercede sua. Nolite transire de domo in domum.
Permanecei na mesma casa, comendo e bebendo do que tiverem, pois o operário é digno de seu salário. Não passeis de casa em casa.
8 Et in quamcumque civitatem intraveritis, et susceperint vos, manducate, quæ apponuntur vobis:
Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei o que vos for oferecido.
9 Et curate infirmos, qui in illa sunt, et dicite illis: Appropinquavit in vos regnum Dei.
Curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: O Reino de Deus está próximo de vós.
10 In quamcumque civitatem intraveritis, et non receperint vos, exeuntes in plateas eius, dicite:
Mas em qualquer cidade em que entrardes e não vos receberem, saí pelas suas praças e dizei:
11 Etiam pulverem, qui adhesit nobis de civitate vestra, excutimus in vos: tamen hoc scitote, quia appropinquavit regnum Dei.
Até o pó da vossa cidade, que se nos colou aos pés, sacudimos contra vós. Contudo, sabei que o Reino de Deus está próximo.
12 Dico vobis: quia Sodomis in die illa remissius erit quam illi civitati.
Eu vos digo: naquele dia, haverá mais clemência para Sodoma do que para aquela cidade.
17 Reversi sunt autem septuaginta duo cum gaudio, dicentes: Domine, etiam dæmonia subiiciuntur nobis in nomine tuo!
Voltaram os setenta e dois com alegria, dizendo: Senhor, até os demônios se nos submetem em teu nome!
18 Et ait illis: Videbam Satanam sicut fulgur de cælo cadentem.
Ele lhes disse: Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago.
19 Ecce dedi vobis potestatem calcandi supra serpentes et scorpiones, et super omnem virtutem inimici: et nihil vobis nocebit.
Eis que vos dei poder para pisar serpentes e escorpiões, e sobre toda a força do inimigo; e nada vos causará dano.
20 Verumtamen nolite gaudere in hoc, quod spiritus vobis subiciuntur: gaudete autem quod nomina vestra scripta sunt in cælis.
Contudo, não vos alegreis porque os espíritos se vos submetem, mas alegrai-vos porque vossos nomes estão escritos nos céus.
Reflexão:
A missão nasce do movimento interior que reconhece o valor de cada consciência como espaço sagrado. Cristo envia, mas não obriga: propõe a paz e acolhe o livre retorno. Os enviados são portadores do Reino não por poder, mas por presença — e onde são acolhidos, a vida se transforma. O Reino está próximo quando a liberdade se conjuga com o amor e quando a ação não se impõe, mas desperta. A alegria verdadeira não está no domínio do mundo, mas no enraizamento do ser no eterno. Cada nome escrito nos céus é um reflexo da dignidade que escolheu florescer.
Versículo mais importante:
O versículo mais importante de Evangelium secundum Lucam (Lc 10,1-12.17-20) pode ser considerado o versículo 9, pois ele expressa o cerne da missão dos discípulos: anunciar a proximidade transformadora do Reino de Deus unida à ação concreta de cura e compaixão.
9 Et curate infirmos, qui in illa sunt, et dicite illis: Appropinquavit in vos regnum Dei.
Curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: O Reino de Deus está próximo de vós.(Lc 10:9)
Este versículo une ação e anúncio: o cuidado com os feridos e a revelação da presença divina já atuante no mundo. Ele mostra que a missão cristã é inseparável da dignidade humana e da transformação concreta do real.
HOMILIA
O Reino que se Aproxima pelo Interior do Ser
No silêncio anterior à missão, o Cristo olha para os seus discípulos e os envia, dois a dois, não com poder mundano, mas com a simplicidade dos que se abrem à grandeza interior. “Appropinquavit in vos regnum Dei” — o Reino de Deus não é imposto, ele se aproxima suavemente, como uma presença que desperta o que dormia na essência humana.
Cada discípulo é enviado como uma centelha viva da liberdade espiritual. São como sementes lançadas no campo aberto da existência, não para dominar, mas para fecundar. A missão não é uma tarefa exterior: é o prolongamento da interioridade em movimento. Curar, anunciar, permanecer — tudo brota da consciência elevada que reconhece a sacralidade do outro como espaço legítimo de manifestação do Divino.
Jesus não promete segurança, mas sentido. Ele não envia com estruturas, mas com presença. A liberdade de quem parte sem bolsa, sem sandálias, sem garantias, é a mesma liberdade que permite que a dignidade do ser se revele como altar de encontro. O anúncio da paz — Pax huic domui — não é uma formalidade: é o reconhecimento da harmonia que se manifesta onde há abertura à transcendência.
A alegria dos que retornam não é condenada, mas redimensionada: o verdadeiro júbilo não está no controle sobre forças exteriores, mas na certeza de que os nomes estão inscritos no céu. Isso é: que o ser, ao entregar-se, encontra-se. Que a consciência, ao esvaziar-se de si, é elevada ao mistério da comunhão eterna.
Nesta missão de ir, anunciar e curar, vemos refletida a lenta e silenciosa evolução da alma. Não se trata de conquistar territórios, mas de expandir o Reino invisível que cresce onde há liberdade interior, reverência pela vida e entrega amorosa. O Reino está próximo de nós sempre que deixamos que a luz, que já habita o fundo do ser, encontre espaço para emergir. Pois, afinal, toda missão verdadeira é uma irradiação da dignidade que floresce no mais íntimo do ser.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação teológica profunda – Lucas 10,9
“Curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: O Reino de Deus está próximo de vós.”
Este versículo — breve, mas densíssimo — revela a profunda unidade entre ação concreta e anúncio escatológico, entre cura do corpo e revelação do Reino. Nele, Jesus não apenas orienta os discípulos sobre o que fazer em sua missão, mas revela uma teologia da presença, onde o Reino de Deus se torna visível por meio da caridade encarnada.
1. "Curai os enfermos": a restauração da criação ferida
A ordem de curar não é apenas um gesto de compaixão, mas uma manifestação sacramental do Reino. A enfermidade, no contexto bíblico, muitas vezes simboliza a desordem introduzida pelo pecado, pela quebra da harmonia original entre Deus, o homem e a criação. Curar, portanto, não é apenas aliviar uma dor: é restaurar a integridade da pessoa, é reabrir os canais entre o humano e o divino, entre o corpo e o espírito.
O verbo "curar" aqui (em grego, therapeuete) indica cuidado, atenção, acompanhamento — não apenas milagre súbito. Trata-se de um serviço amoroso, um gesto libertador, um ato de reparação que devolve ao outro sua dignidade essencial. O missionário não impõe doutrina antes de amar; ele cura para que o outro reconheça que Deus já se aproxima.
2. "E dizei-lhes": o anúncio que interpreta o gesto
A cura não fala sozinha. Ela deve ser acompanhada da Palavra que dá sentido à ação: “O Reino de Deus está próximo de vós.” Esse anúncio não é um aviso distante nem uma ameaça escatológica. É a revelação de uma presença já atuante, embora velada. O Reino não está por vir apenas no fim dos tempos, mas se aproxima — se faz tangível — toda vez que a vida é restaurada, que a liberdade é honrada, que a dignidade é reconhecida.
Este “dizei-lhes” tem um caráter profético: é a tradução espiritual do que os olhos veem. A cura manifesta, a Palavra interpreta. O gesto é sinal, a proclamação é luz.
3. "O Reino de Deus está próximo de vós": o mistério da iminência divina
A expressão "Reino de Deus" (Βασιλεία τοῦ Θεοῦ) indica o governo de Deus, sua soberania amorosa e justa que não se impõe como força exterior, mas se infiltra no íntimo da história e do coração humano. Ao dizer que este Reino está “próximo”, Jesus mostra que a distância entre Deus e o homem foi radicalmente encurtada. Não se trata apenas de uma proximidade geográfica ou temporal, mas ontológica: o Reino toca o ser, transforma-o, transfigura-o.
Esse Reino se manifesta na resposta livre do outro à cura recebida, no reconhecimento de que o bem experimentado é um reflexo de algo maior, eterno, invisível. A proximidade do Reino é também convite à conversão interior, ao deslocamento do ego para o Outro, do fechamento para a abertura, da passividade para a participação no Mistério.
Conclusão:
Lucas 10,9 revela uma síntese poderosa da missão cristã: curar e anunciar. A cura reconstrói o humano; o anúncio revela o divino. Ambas apontam para o Reino que se aproxima não como conquista violenta, mas como irrupção silenciosa do Amor que restaura, chama, respeita e eleva. Aqui, missão, liberdade e dignidade se unem como expressão visível da presença invisível de Deus.
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