Liturgia Diária
18 – TERÇA-FEIRA
33ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Meus pensamentos são de paz e não de aflição, diz o Senhor. Vós me invocareis e hei de escutar-vos, e de todos os lugares reconduzirei vossos cativos (Jr 29,11s.14).
Quando a consciência se abre ao Cristo interior, a casa da alma torna-se espaço de ordem e responsabilidade. Não é a imposição externa que forma o caráter, mas a lucidez que nasce do acolhimento silencioso da Verdade. Assim, cada gesto torna-se testemunho, não por obrigação, mas por coerência. A presença de Jesus, percebida na intimidade do ser, orienta escolhas, sustém a liberdade e educa o espírito para a retidão.
“Eis que estou à porta e bato.”
Ap 3,20
Ao permitir que essa Voz habite o íntimo, cada pessoa edifica um caminho onde a dignidade é fruto da própria consciência desperta.
Evangelium secundum Lucam 19,1-10
In Visitazione Domini ad Zacchaeum
1. Et ingressus perambulabat Iericho.
1. E entrando, Jesus atravessava Jericó.
2. Et ecce vir nomine Zacchaeus, et hic princeps publicanorum et ipse dives.
2. E havia ali um homem chamado Zaqueu; era chefe dos publicanos e muito rico.
3. Et quaerebat videre Iesum, quis esset; et non poterat prae turba, quia statura pusillus erat.
3. Ele buscava ver quem era Jesus, mas não conseguia por causa da multidão, pois era de baixa estatura.
4. Et praecurrens ascendit in arborem sycomorum, ut videret eum, quia inde erat transiturus.
4. Correndo adiante, subiu a uma figueira para vê-lo, porque por ali Ele haveria de passar.
5. Et cum venisset ad locum, suspiciens Iesus vidit illum et dixit ad eum: “Zacchaee, festinans descende, quia hodie in domo tua oportet me manere.”
5. Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: “Zaqueu, desce depressa, pois hoje devo ficar na tua casa.”
6. Et festinans descendit et excepit illum gaudens.
6. Ele desceu depressa e O recebeu com alegria.
7. Et videntes omnes murmurabant dicentes: “Quod ad hominem peccatorem divertit.”
7. Todos os que viram murmuravam: “Ele se hospedou na casa de um pecador.”
8. Stans autem Zacchaeus dixit ad Dominum: “Ecce dimidium bonorum meorum, Domine, do pauperibus; et si quid aliquem defraudavi, reddo quadruplum.”
8. Zaqueu, porém, levantou-se e disse ao Senhor: “Senhor, dou metade dos meus bens aos pobres; e, se defraudei alguém, restituo o quádruplo.”
9. Ait Iesus ad eum: “Quia hodie salus domui huic facta est, eo quod et ipse filius sit Abrahae.”
9. Disse Jesus: “Hoje a salvação entrou nesta casa, pois também este é filho de Abraão.”
10. “Venit enim Filius hominis quaerere et salvum facere quod perierat.”
10. Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido.”
Verbum Domini
Reflexão:
A travessia de Jesus por Jericó revela que a vida se transforma quando alguém decide elevar o olhar acima do fluxo comum. Zaqueu sobe não para fugir, mas para ver com clareza; e a clareza sempre exige coragem. Ao descer, ele assume responsabilidade por seus atos e devolve peso ao próprio caráter. A presença do Cristo não anula a autonomia humana, mas desperta sua força íntima. Assim, cada escolha ética torna-se construção interior, e cada reparação, fundamento de dignidade. Quem acolhe a Verdade aprende a caminhar com firmeza e a ordenar a própria existência como casa aberta ao bem.
Versículo mais importante:
Entre os versículos de Evangelium secundum Lucam 19,1-10, o mais central para o sentido do episódio — e para toda a missão de Cristo — é amplamente reconhecido como o versículo 10, pois ele revela a chave interpretativa de todo o encontro com Zaqueu.
Aqui está o versículo com numeração original, em latim e com tradução:
10. “Venit enim Filius hominis quaerere et salvum facere quod perierat.”
Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido.(Lc19:10)
HOMILIA
A Casa Interior Onde Cristo Deseja Entrar
O encontro entre Jesus e Zaqueu, narrado em Lucas 19,1-10, revela mais do que um gesto de misericórdia; revela a estrutura profunda da jornada interior. Jesus atravessa Jericó — e Jericó torna-se símbolo do território íntimo onde a consciência humana circula, às vezes opaca, às vezes ansiosa por ver a Verdade que se aproxima. Zaqueu, pequeno em estatura, expressa a limitação que todos carregamos: a incapacidade de alcançar, por si só, a perspectiva elevada do espírito. Contudo, sua decisão de subir à figueira é um ato de liberdade; não se curva à multidão que lhe impede a visão, nem se acomoda à sua condição. Ele assume a iniciativa de elevar-se para contemplar.
A árvore, então, simboliza esse ponto de ascensão interior, onde a pessoa aprende a erguer o olhar acima das distrações e densidades do mundo. E é ali, nesse lugar escolhido com esforço e vontade, que Cristo o encontra. Não é a busca pela aprovação alheia que gera transformação, mas a busca sincera pela Verdade. Quando Jesus chama Zaqueu pelo nome, é a própria dignidade humana que é reanimada. O chamado revela que cada pessoa tem um lugar onde Deus deseja permanecer — não como imposição, mas como presença que respeita a liberdade e a estrutura interior de cada um.
Zaqueu desce depressa: a elevação foi necessária para encontrar, mas a transformação exige retorno ao chão da existência. Ele acolhe Cristo em sua casa, e sua casa torna-se imagem da vida inteira que se abre à presença divina. Não há verdadeira evolução sem responsabilidade, e é isso que ele compreende ao reparar seus erros. A liberdade que o encontro desperta não é ausência de limites, mas força interior para refazer, restituir, ordenar. É assim que a pessoa se reencontra com sua própria dignidade — não como um ideal abstrato, mas como um caminho concreto, feito de escolhas que reconstroem.
A murmuração da multidão mostra que muitos preferem julgar do que compreender. Mas Cristo não se orienta pelo olhar externo: Ele olha o interior, vê a semente de transformação e se hospeda onde há disposição sincera de mudança. A família de Zaqueu é envolvida por essa presença, porque toda escolha espiritual toca aqueles que estão ao redor. A casa transformada torna-se um espaço onde o bem pode florescer.
Por fim, quando Jesus declara: “Hoje a salvação entrou nesta casa”, Ele mostra que a verdadeira salvação é a integração da vida humana com a Verdade que a orienta. Não é fuga do mundo, mas iluminação do cotidiano. Não é mera emoção, mas reorganização da alma. O Filho do Homem veio buscar o que se perde dentro de cada ser humano — a clareza, o sentido, a capacidade de caminhar com firmeza.
Que cada um, como Zaqueu, encontre sua árvore interior, suba, veja, desça e acolha. Pois Cristo continua passando por Jericó, esperando que o chamemos a entrar na casa que é a nossa própria existência.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A Palavra que Revela o Centro da Missão
“Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido.” (Lc 19,10)
Este versículo não é apenas o fim narrativo do encontro com Zaqueu; é a revelação do movimento mais íntimo da ação de Cristo. Ele não espera o retorno do ser humano à ordem do bem por força própria; Ele toma a iniciativa, movendo-se em direção ao que se perdeu, não para impor, mas para restaurar. A perda aqui não é objeto exterior: é a desorientação interior que obscurece a visão e dispersa a alma.
A Busca que Restaura a Verdadeira Unidade Interior
Buscar implica reconhecer que há algo valioso ainda presente, embora oculto. Cristo não se dirige ao homem como quem encontra ruína irreparável, mas como quem percebe, sob camadas de fragmentação, o núcleo inviolado da dignidade. Ao aproximar-se de quem se dispersou, Ele recupera aquilo que permanecia vivo, mas adormecido, chamando-o novamente à sua própria inteireza. A ação divina reordena a interioridade humana, trazendo de volta a coerência entre intenção, ação e verdade.
O Chamado que Desperta a Responsabilidade
Salvar não significa retirar a pessoa de sua história, mas iluminá-la para que ela mesma reencontre o caminho. Cristo salva ao chamar pelo nome, ao reanimar a consciência para que ela reconheça o que precisa ser retomado, reparado e realinhado. O ser humano, ao escutar esse chamado, deixa de se tornar refém das circunstâncias e retoma a direção de sua própria vida com sobriedade e firmeza. Esse movimento exige coragem, pois envolve reconhecer falhas, assumir consequências e caminhar na direção do bem.
A Liberdade como Espaço de Encontro
A salvação não acontece fora da liberdade humana. Quando Zaqueu desce da árvore e acolhe Jesus em sua casa, ele demonstra que a transformação não é fruto de compulsão, mas de adesão consciente. O versículo, portanto, não descreve uma intervenção que violenta a autonomia, mas um encontro que só se realiza porque há abertura interior. Ao restaurar o que está perdido, Cristo reafirma a capacidade humana de escolher o bem e de reorganizar a própria vida a partir de um centro estável.
A Casa Interior que se Torna Morada da Verdade
A salvação que “entra na casa” não é mero simbolismo. A casa representa a totalidade da existência: relações, decisões, memórias e desejos. Quando Cristo penetra esse espaço, Ele o ilumina por dentro. O que antes estava perdido — a direção, o sentido, a clareza — torna-se novamente acessível. O ser humano reencontra-se consigo mesmo, não pela força do acaso, mas porque se permite ser encontrado por Aquele que conhece o caminho de volta.
A Missão que Abrange Toda a Humanidade
O versículo final do episódio não se limita a Zaqueu; ele descreve a intenção universal de Cristo. Todos, em algum momento, experimentam a perda da orientação interior. Todos precisam ser buscados. Todos podem ser reencontrados. A missão do Filho do Homem é permanente: aproximar-se das regiões internas onde a pessoa se sente dispersa, confusa ou diminuída, e conduzi-la à luz que restaura a ordem e a firmeza do espírito.

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