Liturgia Diária
25 – DOMINGO
6o DOMINGO DA PÁSCOA
(branco, glória, creio – 2ª semana do saltério)
Anunciai com gritos de alegria, proclamai até os confins da terra: o Senhor libertou o seu povo, aleluia! (Is 48,20)
Na comunhão sagrada, o Espírito sopra como brisa livre sobre os campos da consciência, despertando a centelha interior que nos guia entre os véus do mundo. Ele não impõe — inspira. Ensina-nos a recordar a Palavra viva do Cristo, não como dogma, mas como semente que floresce na autonomia do ser. Somos viajantes do tempo, peregrinos da esperança, e neste ciclo consagrado, permitimos que a Graça se manifeste por meio da liberdade interior. Que o caminho divino, revelado em cada ato de amor e justiça, se torne luz para os povos.
“Mostra-me, Senhor, os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas” (Sl 25,4).
Lectio Sancti Evangelii secundum Ioannem
Jo 14,23-29
23 Respondit Jesus, et dixit ei: Si quis diligit me, sermonem meum servabit, et Pater meus diliget eum, et ad eum veniemus, et mansionem apud eum faciemus.
Jesus respondeu e lhe disse: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele, e nele faremos morada.
24 Qui non diligit me, sermones meos non servat. Et sermonem, quem audistis, non est meus: sed ejus, qui misit me, Patris.
Quem não me ama, não guarda as minhas palavras; e a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai que me enviou.
25 Haec locutus sum vobis apud vos manens.
Estas coisas vos disse enquanto permaneço convosco.
26 Paraclitus autem, Spiritus Sanctus, quem mittet Pater in nomine meo, ille vos docebit omnia, et suggeret vobis omnia quæcumque dixero vobis.
Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que eu vos disse.
27 Pacem relinquo vobis, pacem meam do vobis: non quomodo mundus dat, ego do vobis. Non turbetur cor vestrum, neque formidet.
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize.
28 Audistis quia ego dixi vobis: Vado, et venio ad vos. Si diligeretis me, gauderetis utique, quia vado ad Patrem: quia Pater major me est.
Ouvistes o que eu vos disse: Vou e volto a vós. Se me amásseis, certamente vos alegraríeis porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu.
29 Et nunc dixi vobis priusquam fiat: ut cum factum fuerit, credatis.
E agora eu vos disse antes que aconteça, para que, quando acontecer, creiais.
Reflexão:
Na liberdade de amar, reside a potência transformadora da existência. O Espírito que nos é prometido não atua como força imposta, mas como impulso interior que respeita e amplia a consciência. O Cristo nos convida a sermos morada da Verdade, não por submissão, mas por adesão voluntária à plenitude do ser. Essa paz que ele oferece não é ausência de conflito, mas harmonia ativa com o fluxo criativo do universo. A verdadeira elevação humana ocorre quando o amor nos faz participar do eterno, superando o medo com confiança lúcida. A fé, aqui, torna-se movimento: ir ao Pai é crescer no ser.
Versículo mais importante:
Respondit Jesus, et dixit ei: Si quis diligit me, sermonem meum servabit, et Pater meus diliget eum, et ad eum veniemus, et mansionem apud eum faciemus.
Jesus respondeu e lhe disse: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele, e nele faremos morada. (Jo 14:23)
Este versículo revela que o amor é o portal da presença divina. Ele não exige imposição, mas propõe uma adesão livre à palavra. A consequência desse amor é a união: Deus não apenas visita, mas habita no íntimo daquele que o acolhe. É o mistério da interiorização do divino na liberdade da criatura.
HOMILIA
A Morada do Espírito no Coração em Expansão
Amados,
Na escuta silenciosa do Evangelho segundo João (14,23-29), somos conduzidos não a um lugar fora de nós, mas ao núcleo ardente do ser onde o Verbo deseja fazer morada. "Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele, e nele faremos morada." Neste versículo ressoa o chamado eterno à comunhão interior — não imposta, mas oferecida com ternura à liberdade do espírito.
A palavra que se guarda por amor, e não por temor, revela a maturidade do ser em processo de divinização. Deus não se impõe; Ele propõe. Sua presença é semente lançada no campo da consciência, esperando ser acolhida pela alma em sua jornada ascendente. O Cristo não nos pede rendição cega, mas adesão lúcida ao movimento da Vida, que tudo une sem anular, que tudo consagra sem aprisionar.
Quando se diz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou: não como o mundo a dá”, revela-se a diferença entre a paz que é silêncio forçado e a paz que é fruto da harmonia interior com o Todo. Essa paz é dinâmica: ela nasce da escuta profunda, da escolha autêntica, da união entre o impulso da liberdade e a vibração do Amor.
Há em cada ser humano uma chispa divina que anseia por expansão — não para dominar, mas para integrar. O Espírito que nos será enviado ensinará tudo, não como um mestre exterior, mas como um fogo interior que ilumina, transforma e guia sem violentar. Ele não dita respostas prontas, mas suscita perguntas verdadeiras. Ele não define destinos, mas desperta caminhos.
Eis, portanto, o mistério: Deus deseja habitar no humano, não para fazer dele um templo imóvel, mas para elevá-lo em espiral até que, nele, o cosmos inteiro se torne oração.
Que cada escolha, cada gesto, cada palavra, seja lugar de encontro com esse Espírito que nos conduz não à negação do mundo, mas à sua transfiguração. E que, na liberdade de amar e no compromisso com a verdade interior, sejamos morada viva do Amor que tudo sustenta e tudo espera.
Amém.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação teológica profunda de João 14,23
“Jesus respondeu e lhe disse: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele, e nele faremos morada.”
Este versículo é uma das expressões mais elevadas do Evangelho joanino sobre a interiorização do mistério trinitário na vida humana. Sua densidade teológica pode ser compreendida em três níveis interligados: o amor como princípio, a Palavra como caminho, e a morada divina como fim.
1. "Se alguém me ama..." — O amor como princípio da união
O verbo grego usado para “amar” aqui é agapaō, indicando um amor que transcende o mero afeto ou emoção. Trata-se de uma adesão livre, consciente e plena à pessoa de Cristo. Este amor não é apenas sentimento, mas uma decisão radical de abrir-se ao Outro como revelação do Ser absoluto. Em linguagem teológica, é o amor como resposta à Graça, que acolhe a iniciativa divina com liberdade interior.
2. "...guardará a minha palavra..." — A Palavra como caminho da transformação
“Guardar” (tēreō) não significa apenas memorizar ou obedecer de modo exterior, mas conservar, preservar e assimilar a Palavra no mais profundo da alma. A “palavra” de Cristo (logos) não é apenas doutrina, mas expressão viva de Sua própria identidade: Ele é o Verbo encarnado. Guardar sua palavra é, portanto, participar de Sua própria Vida. Esta interiorização ativa faz do discípulo um colaborador no desdobramento do Reino — não por obrigação, mas por conformação amorosa.
3. "...meu Pai o amará..." — O amor do Pai como resposta à liberdade humana
Aqui se revela o dinamismo da reciprocidade divina: a liberdade humana ao amar o Filho gera uma resposta do Pai. Trata-se da pericorese, ou seja, a interpenetração das Pessoas divinas em sua relação com o ser humano. O amor do Pai, que é eterno e gratuito, manifesta-se agora como consequência vivencial da abertura humana ao Cristo.
4. "...e viremos a ele, e nele faremos morada." — A inabitação trinitária
Este é o ponto culminante: não apenas o Filho, mas também o Pai vêm habitar no ser humano. O verbo “fazer morada” (monē) aparece apenas duas vezes em todo o Novo Testamento, ambas neste capítulo. A morada não é simbólica, mas ontológica: o ser humano torna-se espaço real de comunhão com Deus.
Teologicamente, trata-se do mistério da inabitação trinitária — a presença ativa e permanente de Deus na alma que O ama. Não se trata de uma visita ou manifestação passageira, mas de uma residência contínua, que transforma o interior do ser em templo vivo. Essa morada implica união sem fusão, presença sem dominação: Deus habita no humano, respeitando sua liberdade e elevando sua natureza.
Conclusão
João 14,23 revela, em uma única frase, a estrutura dinâmica da vida espiritual cristã: amor livre, acolhida da Palavra, resposta do Pai, e comunhão interior com a Trindade. Este versículo não descreve apenas um estado místico, mas o destino último do ser humano: tornar-se morada de Deus, não por anulação de si, mas por transfiguração na liberdade do amor.
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