Liturgia Diária
5 – TERÇA-FEIRA
18ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Vinde, ó Deus, em meu auxílio, apressai-vos, ó Senhor, em socorrer-me. Sois meu Deus libertador e meu auxílio. Não tardeis em socorrer-me, ó Senhor! (Sl 69,2.6)
O verdadeiro enviado da Luz não busca aprovação, mas fidelidade ao sopro que o move. Ainda que rejeitado, não se afasta — permanece. Pois sua missão não se fundamenta no reconhecimento, mas na escuta da Fonte. Ele não separa, não impõe, não exclui. Estende a mão não para dominar, mas para levantar. Ora por todos, porque vê em cada ser a semente da eternidade em flor. Sua liberdade interior é raiz da compaixão; sua dignidade, o dom de servir sem se perder. Na presença do justo, até a recusa se torna oportunidade de revelação e caminho para o reencontro.
Evangelium secundum Matthaeum 14,22-36
Dominica XIX per Annum
22 Et statim iussit Iesus discipulos ascendere in naviculam, et praecedere eum trans fretum, donec dimitteret turbas.
E imediatamente Jesus ordenou aos discípulos que subissem na barca e o precedessem para o outro lado do mar, enquanto ele despedia as multidões.
23 Et dimissa turba, ascendit in montem solus orare. Vespere autem facto, solus erat ibi.
Depois de despedir a multidão, subiu sozinho ao monte para orar. Ao cair da tarde, estava ali sozinho.
24 Navicula autem in medio mari iactabatur fluctibus: erat enim contrarius ventus.
A barca, porém, já se achava no meio do mar, agitada pelas ondas, pois o vento era contrário.
25 Quarta autem vigilia noctis venit ad eos ambulans super mare.
Na quarta vigília da noite, Jesus veio até eles, andando sobre o mar.
26 Et videntes eum supra mare ambulantem, turbati sunt, dicentes: Quia phantasma est. Et prae timore clamaverunt.
Ao vê-lo andando sobre o mar, ficaram perturbados e disseram: É um fantasma! E gritaram de medo.
27 Statimque Iesus locutus est eis, dicens: Habete fiduciam: ego sum, nolite timere.
Mas Jesus logo lhes falou, dizendo: Tende confiança, sou eu, não tenhais medo.
28 Respondens autem Petrus dixit: Domine, si tu es, iube me venire ad te super aquas.
Pedro respondeu: Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro sobre as águas.
29 At ipse ait: Veni. Et descendens Petrus de navicula, ambulabat super aquam ut veniret ad Iesum.
Ele disse: Vem. E Pedro, descendo da barca, andou sobre a água para ir até Jesus.
30 Videns vero ventum validum, timuit: et cum coepisset mergi, clamavit dicens: Domine, salvum me fac.
Mas, vendo o vento forte, teve medo e, começando a afundar, gritou: Senhor, salva-me!
31 Et continuo Iesus extendens manum, apprehendit eum: et ait illi: Modicae fidei, quare dubitasti?
Imediatamente Jesus estendeu a mão, segurou-o e lhe disse: Homem de pouca fé, por que duvidaste?
32 Et cum ascendissent in naviculam, cessavit ventus.
E, quando subiram na barca, o vento cessou.
33 Venerunt autem qui in navicula erant, et adoraverunt eum, dicentes: Vere Filius Dei es.
Então os que estavam na barca aproximaram-se, adoraram-no e disseram: Verdadeiramente tu és o Filho de Deus.
34 Et cum transfretassent, venerunt in terram Gennesareth.
Tendo atravessado o mar, chegaram à terra de Genesaré.
35 Et cum cognovissent eum viri loci illius, miserunt in universam regionem illam, et obtulerunt ei omnes male habentes:
Os homens daquele lugar, reconhecendo-o, mandaram anunciar em toda a região e trouxeram-lhe todos os doentes.
36 Et rogabant eum ut vel fimbriam vestimenti eius tangerent. Et quicumque tetigerunt, salvi facti sunt.
E suplicavam-lhe que ao menos pudessem tocar na orla de seu manto. E todos os que o tocaram ficaram curados.
Reflexão:
A travessia no mar, sob ventos contrários, é a metáfora do ser humano que ousa sair da segurança das estruturas para caminhar sobre o incerto, chamado por uma presença que transcende o imediato. A fé, aqui, não é fuga da razão, mas força interior que impulsiona a consciência a emergir da matéria em direção ao espírito. Quando Pedro duvida, afunda; quando confia, caminha — é o drama da liberdade diante do infinito. O Cristo que estende a mão é o chamado perene ao desenvolvimento pleno da pessoa, que se realiza ao integrar coragem e transcendência. A barca é a comunidade, mas o passo sobre as águas é pessoal. Cada um é chamado a caminhar além do visível, confiando que a realidade última é amor que sustenta até o abismo.
Versículo mais importante:
O versículo central e mais importante de Evangelium secundum Matthaeum 14,22-36 é o versículo 27, pois nele Jesus revela sua identidade e acalma o temor dos discípulos, oferecendo confiança no meio da tempestade — espiritual e existencial.
27
Statimque Iesus locutus est eis, dicens: Habete fiduciam: ego sum, nolite timere.
Mas Jesus logo lhes falou, dizendo: Tende confiança: sou eu, não tenhais medo.(Mt 14:27)
Esse versículo expressa o núcleo da experiência espiritual: a revelação da presença divina no meio do caos e o chamado à confiança que transcende o medo. As palavras "ego sum" (eu sou) evocam o nome divino revelado a Moisés (Êxodo 3,14), indicando a presença do Eterno que caminha sobre as águas da existência humana.
HOMILIA
Sobre as Águas do Ser: A Travessia da Consciência
No silêncio que segue à dispersão das multidões, Jesus sobe sozinho ao monte para orar. Ele se retira das vozes externas para se recolher à Origem, ao centro silencioso de onde brota toda existência. O Evangelho de hoje não é apenas narrativa de um milagre físico, mas revelação de um itinerário interior: o caminho do ser humano rumo à sua plenitude.
A barca dos discípulos, lançada ao mar revolto, simboliza o estado da alma em travessia — separada momentaneamente do Mestre, exposta ao embate dos ventos, à insegurança dos sentidos, ao medo do invisível. Mas este afastamento não é abandono: é condição para a experiência da liberdade. A fé não nasce do conforto, mas da travessia. A consciência cresce quando confrontada com o abismo.
Na quarta vigília da noite — o tempo da máxima escuridão —, Jesus caminha sobre as águas. O mar, símbolo do caos e do inconsciente, torna-se caminho para Aquele que é a Luz. E quando a figura do Cristo se aproxima, os discípulos, tomados de medo, não O reconhecem: “É um fantasma!” Assim é o início de toda verdadeira revelação — aquilo que é mais real nos parece, a princípio, irreal. A verdade eterna não grita, mas se insinua com suavidade por entre os véus da noite interior.
Pedro, representando a centelha da consciência desperta, ousa pedir: “Senhor, se és Tu, manda-me ir ao teu encontro sobre as águas.” Aqui, encontramos o salto da liberdade: a alma deseja não mais permanecer na segurança da barca, mas ir ao encontro da verdade, mesmo que isso signifique pisar o impossível. E a resposta vem como chamado eterno: “Vem.” A Palavra que cria o mundo é a mesma que convida à transfiguração do ser.
Pedro caminha. E enquanto o olhar está fixo na Presença, ele permanece sobre as águas. Mas quando se volta para o vento — isto é, para as forças desintegradoras da dúvida, do medo, da separação — começa a afundar. Eis o drama da liberdade: o ser humano pode caminhar na transcendência, mas também pode se afundar na dispersão. E ainda assim, mesmo na queda, uma súplica sincera o reconduz à mão estendida do Verbo: “Senhor, salva-me!”
Jesus o segura. Não o condena, mas o interpela: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” Não é uma reprovação, mas um chamado à inteireza. A dúvida que fere não é a dúvida que questiona, mas a que fragmenta. O ser humano é chamado à confiança — não como fuga da razão, mas como força de união interior. Porque a fé autêntica não nega o caos: caminha sobre ele.
Ao subir na barca, o vento cessa. O mundo volta à ordem. Os que estavam com Pedro reconhecem e adoram: “Verdadeiramente, Tu és o Filho de Deus.” A experiência do milagre não é espetáculo; é revelação de um sentido. Jesus não vem para impressionar os sentidos, mas para despertar a dignidade do ser. A travessia era necessária, pois somente nela a identidade divina se revela em profundidade.
Assim é o caminho da evolução interior: um chamado ao ser para se elevar acima do medo, ousar a liberdade, confiar na Presença que sustenta até as águas mais fundas. A dignidade da pessoa não está em permanecer à margem do mistério, mas em atravessá-lo, guiada pela fé que vê o invisível e caminha — mesmo sem chão — sobre as águas do Ser.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Versículo-Chave:
"Statimque Iesus locutus est eis, dicens: Habete fiduciam: ego sum, nolite timere."
“Mas Jesus logo lhes falou, dizendo: Tende confiança: sou eu, não tenhais medo.”
(Mateus 14,27)
1. A Palavra que Restaura a Ordem Interior
A primeira ação de Jesus, ao ver os discípulos tomados pelo medo, é a palavra. Ele não age primeiro com gestos, mas com voz. No princípio, como no Gênesis, a Palavra é criadora — ela separa trevas e luz, caos e ordem. Ao dizer “Habete fiduciam” (Tende confiança), Jesus semeia interiormente o princípio da restauração do ser, rompendo a dominação da angústia. Ele fala logo — statim — como quem afirma que a Presença não se atrasa, ainda que pareça ausente no escuro da noite. A Palavra divina sempre se antecipa à destruição.
2. “Ego sum”: A Revelação da Presença Absoluta
O centro metafísico do versículo é a expressão “ego sum” — “sou eu”, mas que ecoa, em profundidade, o Nome inefável revelado a Moisés: “Ego sum qui sum” (Êxodo 3,14). Jesus aqui não se apresenta apenas como um mestre identificável no escuro, mas como a encarnação do Ser eterno, a Fonte que sustenta o ser de todas as coisas. O medo nasce da percepção de separação; o ego sum dissipa esse abismo, pois afirma: “Eu sou contigo”. Esta é uma revelação que ultrapassa o tempo e o espaço: Ele é, simplesmente, e esse Ser que é, está ali, presente no meio da tempestade.
3. Tende Confiança: A Fé como Ato de Liberdade Interior
A ordem “Tende confiança” não é mero consolo, mas um chamado à livre adesão à Verdade. A confiança, no vocabulário espiritual, é muito mais do que esperar que tudo vá dar certo; é o reconhecimento interior de que a Realidade é habitada por uma Presença que sustenta e guia. Neste versículo, a fé não é uma crença cega, mas uma resposta da consciência à revelação de uma Presença transcendente. Só é livre quem confia. Só confia quem reconhece que há uma Realidade mais profunda do que o medo.
4. “Não Tenhais Medo”: O Medo Como Ilusão da Separação
O medo, aqui, é consequência direta da ausência de percepção espiritual. O medo nasce quando os sentidos dizem que o caos venceu. Mas o Cristo caminha sobre o caos — sobre o mar — e afirma: “Não tenhais medo”. Essa não é uma negação do sofrimento ou da insegurança, mas um convite à transcendência do olhar. A verdadeira paz não depende da ausência de tempestades, mas da certeza de que o Ser eterno está presente mesmo nas águas agitadas. O medo é vencido não quando o vento cessa, mas quando o coração reconhece a Presença que nunca se ausentou.
5. Dimensão Ontológica e Espiritual da Presença
Neste versículo, Jesus não oferece explicações, mas Presença. Ele não justifica a tempestade, nem remove o mar: Ele se revela em meio a eles. Assim, percebemos que a salvação não é retirada do mundo, mas transformação da percepção do mundo pela presença do Eterno. A tempestade continua, mas aquele que reconhece o ego sum dentro de si, já não está perdido. A verdadeira segurança não vem da calmaria, mas da comunhão com o Ser.
6. Conclusão: A Travessia do Ser e a Restauração da Unidade
A mensagem deste versículo é radicalmente transformadora: o medo é vencido pela união interior com o Ser, e essa união começa pela escuta da Palavra. A confiança não é negação do real, mas abertura à dimensão mais profunda da realidade. Ao dizer “sou eu”, o Cristo convida cada alma a lembrar que ela não está só, que há um fundamento eterno sob suas águas agitadas, e que a liberdade se manifesta quando, mesmo nas trevas, ousamos responder: “Senhor, se és Tu, manda-me ir ao teu encontro.”
Assim, a alma atravessa o caos não pela força, mas pela confiança — e descobre que o fundamento de seu ser não é o medo, mas a Presença silenciosa que eternamente diz:
“Ego sum.”
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