Liturgia Diária
27 – DOMINGO
17º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(verde, glória, creio – 1ª semana do saltério)
Deus habita em seu santuário, reúne os fiéis em sua casa; ele mesmo dá vigor e força a seu povo (Sl 67,6s.36).
Na comunhão sagrada, revela-se o Mistério da Fonte que acolhe livremente cada ser como filho amado. Nela, o Ser eterno convoca a alma à escuta interior, à liberdade de orar, escolher, partilhar. A Palavra se encarna no silêncio do coração desperto, e o Pão, símbolo da dignidade comum, é ofertado como gesto de confiança mútua. Celebra-se o Mistério da superação da morte — a Ressurreição — não como imposição, mas como caminho aberto por Aquele que, sendo Mestre, não exige submissão, mas inspira liberdade interior e perseverança. Cada alma, em sua autonomia sagrada, aprende a orar com esperança viva.
"Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade."
2 Coríntios 3:17
Evangelium secundum Lucam 11,1-13
Dominica – Petite, et dabitur vobis
-
Et factum est: cum esset in quodam loco orans, ut cessavit, dixit unus ex discipulis eius ad eum: Domine, doce nos orare, sicut et Ioannes docuit discipulos suos.
E aconteceu que, estando ele orando em certo lugar, ao terminar, um dos seus discípulos lhe disse: Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos. -
Et ait illis: Cum oratis, dicite: Pater, sanctificetur nomen tuum. Adveniat regnum tuum.
E ele lhes disse: Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino. -
Panem nostrum quotidianum da nobis hodie;
Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia; -
Et dimitte nobis peccata nostra: siquidem et ipsi dimittimus omni debenti nobis. Et ne nos inducas in tentationem.
E perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo aquele que nos deve. E não nos deixes cair em tentação. -
Et ait ad illos: Quis vestrum habebit amicum et ibit ad illum media nocte et dicet illi: Amice, commoda mihi tres panes,
E disse-lhes: Qual de vós, tendo um amigo, irá procurá-lo à meia-noite e lhe dirá: Amigo, empresta-me três pães, -
Quia amicus meus venit de via ad me, et non habeo quod ponam ante illum.
Porque um amigo meu chegou de viagem e não tenho o que lhe oferecer. -
Et ille de intus respondens dicat: Noli mihi molestus esse; iam ostium clausum est, et pueri mei mecum sunt in cubili: non possum surgere et dare tibi.
E ele, lá de dentro, responderá: Não me incomodes; a porta já está fechada, e meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para te dar algo. -
Dico vobis: et si non dabit illi surgens eo quod amicus eius sit, propter improbitatem tamen eius surget et dabit illi, quotquot habet necessarios.
Eu vos digo: ainda que não se levante para dar-lhe por ser seu amigo, levantar-se-á, contudo, por causa da sua insistência, e lhe dará tudo o que precisa. -
Et ego vobis dico: Petite, et dabitur vobis: quaerite, et invenietis: pulsate, et aperietur vobis.
Pois eu vos digo: Pedi, e vos será dado; buscai, e achareis; batei, e vos será aberto. -
Omnis enim qui petit, accipit: et qui quaerit, invenit: et pulsanti aperietur.
Porque todo o que pede, recebe; quem busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-á. -
Quis autem ex vobis patrem petit panem — numquid lapidem dabit illi? aut piscem — numquid pro pisce serpentem dabit illi?
Qual de vós, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se pedir um peixe, lhe dará uma serpente em lugar do peixe? -
Aut si petierit ovum, numquid porriget illi scorpionem?
Ou se pedir um ovo, lhe dará um escorpião? -
Si ergo vos, cum sitis mali, nostis bona data dare filiis vestris: quanto magis Pater vester de caelo dabit spiritum bonum petentibus se?
Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais o Pai celeste dará o Espírito bom àqueles que lhe pedirem!
Reflexão:
A oração é a ascensão da consciência à Fonte do sentido, onde cada súplica não é um pedido submisso, mas um ato de liberdade interior. Ao chamar Deus de Pai, não nos curvamos por temor, mas erguemo-nos como seres capazes de diálogo. A confiança de quem pede revela um universo em expansão, onde o desejo autêntico participa da construção da realidade. A resposta divina não nega a autonomia, mas a sustenta com Amor. O Espírito dado aos que pedem é a centelha que desperta a dignidade e impulsiona o ser à plenitude de si. Pedir, buscar, bater — são gestos de uma alma livre.
Versículo mais importante:
O versículo mais central e significativo de Evangelium secundum Lucam 11,1-13, tanto do ponto de vista espiritual quanto filosófico, é:
Lucas 11,9
Et ego vobis dico: Petite, et dabitur vobis: quaerite, et invenietis: pulsate, et aperietur vobis.
Pois eu vos digo: Pedi, e vos será dado; buscai, e achareis; batei, e vos será aberto. (Lc 11:9)
Esse versículo condensa o coração do ensinamento de Jesus sobre a liberdade da alma em relação com o divino. Não se trata de resignação, mas de uma iniciativa interior que confia na resposta amorosa do Mistério. Cada verbo — pedir, buscar, bater — expressa o dinamismo de uma consciência que participa da criação através do desejo e da fé ativa.
HOMILIA
A Oração como Gênese da Liberdade Interior
No silêncio em que o Cristo ora, seus discípulos vislumbram algo que ultrapassa o gesto: percebem uma centelha, um eixo oculto que sustenta o cosmos e ordena o coração humano. “Senhor, ensina-nos a orar.” — não é apenas um pedido ritual; é a busca pela fonte, pelo princípio que une a criatura à Origem.
Jesus responde com palavras que não impõem, mas despertam: “Pai...” — e aqui a alma se ergue. A oração não começa com súplica, mas com o reconhecimento de uma relação fundante, onde cada ser humano é chamado a viver não como servo, mas como filho. Este “Pai” não domina de fora, mas pulsa no íntimo do ser, chamando à liberdade responsável, à dignidade de existir em comunhão.
“Santificado seja o teu nome, venha o teu Reino...” — a oração não busca a fuga do mundo, mas a transfiguração da realidade. O Reino não é um lugar, é uma condição do ser onde o Amor se manifesta plenamente. Cada vez que oramos assim, participamos da gestação de um mundo novo, não por força externa, mas por conversão interior.
E então Jesus fala de pão — o pão de cada dia, o pão que sustenta, o pão que se compartilha. A súplica pelo pão é mais que sobrevivência; é o clamor por uma existência justa, onde nenhum ser humano seja esquecido ou excluído. Quando pedimos o pão, assumimos a responsabilidade de não sermos pedra no lugar do sustento do outro.
A oração prossegue pedindo perdão e oferendo perdão. Aqui se revela a dimensão evolutiva do espírito: libertar-se do peso da culpa e das dívidas não é estagnação, mas avanço. O perdão é a energia que move a alma do passado ao futuro, que desfaz os nós da dor para tecer novos vínculos de comunhão.
Por fim, Jesus narra a parábola do amigo insistente — não para falar de um Deus relutante, mas de um coração que deve aprender a desejar profundamente. “Pedi, e vos será dado; buscai, e achareis; batei, e vos será aberto.” — este é o movimento da alma em evolução: tornar-se ativa, consciente, participante da própria transformação. Não por obrigação, mas por impulso do espírito que reconhece seu direito de crescer.
A oração, portanto, não é submissão, mas ascensão. Ela é o espaço onde a dignidade humana se encontra com a infinita generosidade do Ser. Ela nos devolve a nós mesmos, não como indivíduos fechados, mas como centelhas vivas de um Mistério que se comunica, se entrega e convida.
Ao orar, não pedimos permissão para existir. Celebramos o fato de sermos co-criadores com o Divino. E assim, a cada súplica, a cada silêncio, a cada palavra dita na intimidade do espírito, somos conduzidos a um patamar mais alto da liberdade interior — onde o Amor não é mandamento, mas respiração natural da alma desperta.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Versículo:
Et ego vobis dico: Petite, et dabitur vobis: quaerite, et invenietis: pulsate, et aperietur vobis.
Pois eu vos digo: Pedi, e vos será dado; buscai, e achareis; batei, e vos será aberto.
(Lucas 11,9)
1. A Voz que Nos Chama à Liberdade Ontológica
Este versículo é mais do que uma promessa; é um chamado ontológico à liberdade da alma diante do Mistério. Não se trata de um convite passivo a esperar bênçãos, mas de uma convocação ativa à consciência. O Cristo não ordena de fora, mas revela uma lei espiritual: quem pede, recebe; quem busca, encontra; quem bate, entra. Essa tríade é o movimento dinâmico da alma que reconhece sua origem transcendente e sua vocação para o infinito.
Pedir, buscar e bater são expressões da liberdade interior, da vontade que se reconhece capaz de dialogar com a Fonte, sem intermediários coercitivos, mas com dignidade filial. O ser humano é, aqui, apresentado como alguém que participa da própria revelação, não por mérito, mas por natureza espiritual.
2. A Tríade da Evolução Espiritual: Pedir, Buscar, Bater
Cada verbo revela um estágio do despertar interior:
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Petite – Pedi: É o início da consciência que reconhece sua carência essencial, não como fraqueza, mas como abertura ao Outro. Pedir é reconhecer que há mais além de si mesmo — e que esse mais é acessível, relacional, amoroso.
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Quaerite – Buscai: Buscar é mais que desejar. É movimentar-se em direção à Verdade, ao Bem, ao Belo. Aqui, a alma já saiu do lugar de onde partiu. O espírito busca porque sabe que há uma resposta — e essa resposta o transforma ao ser procurada. É o estágio da consciência que se expande.
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Pulsate – Batei: Bater é um gesto limiar. Pressupõe coragem e vulnerabilidade. Ao bater, o ser humano se coloca diante do véu do Mistério, confiante de que será acolhido. Não exige, não invade, mas se aproxima com a dignidade de quem sabe que há uma porta — e que ela é feita para se abrir.
3. Deus: Presença que Responde, Não Mecânica que Premia
O versículo não apresenta Deus como um distribuidor automático de favores, mas como Presença viva que se relaciona com liberdade. Dar, deixar encontrar, abrir: são respostas que não violam a autonomia do orante, mas a confirmam. O Pai responde como quem respeita o tempo da alma e sua maturação.
Essa reciprocidade é sinal de uma teologia da liberdade: Deus não responde porque é obrigado, mas porque deseja. E a criatura recebe, não como um capricho atendido, mas como expressão de comunhão com o Ser.
4. A Porta Está Dentro: O Caminho da Interioridade
Na tradição espiritual, a porta a ser batida está dentro. Não é Deus que está longe, mas a alma que está dispersa. Ao pedir, buscar e bater, o ser humano está na verdade se reconectando com sua própria origem. O Reino é interior, e essa trilha em três verbos é o caminho da reintegração.
A abertura que se dá não é apenas exterior, mas existencial. É o véu que se rasga, o coração que se abre, o sentido que se ilumina. O ser humano não apenas encontra algo — ele se encontra como criatura desejada, digna e chamada a participar da própria criação.
5. O Amor como Resposta da Realidade
Este versículo é a confirmação de que o universo é responsivo ao Amor. A realidade não é surda nem indiferente; ela é, em seu núcleo mais íntimo, relacional. A alma que pede com verdade, busca com inteireza e bate com confiança, encontrará sempre uma abertura — ainda que não da forma esperada.
A porta que se abre é, muitas vezes, a do próprio coração. A dádiva maior não é o que se recebe de fora, mas o que se descobre dentro: que somos ouvidos, que somos vistos, que somos amados.
Conclusão
Lucas 11,9 não é uma fórmula mágica, mas um mapa de ascensão interior. Ele revela que a alma humana, em sua liberdade, é chamada a participar da dinâmica do Amor que cria, sustenta e transforma. O pedido desperta a humildade, a busca ativa o desejo, e o bater consagra a coragem da alma desperta. E a resposta divina — sempre livre, sempre amorosa — confirma que o universo não é um abismo sem eco, mas um campo de comunhão onde cada gesto de fé encontra sua resposta em forma de Luz.
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