Liturgia Diária
24 – TERÇA-FEIRA
NATIVIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA
(branco, glória, creio, prefácio próprio – ofício da solenidade)
MISSA DO DIA
Surgiu um homem enviado por Deus; o seu nome era João. Ele veio dar testemunho da luz e preparar para o Senhor um povo bem-disposto (Jo 1,6-7; Lc 1,17).
Celebremos o milagre que rompe as margens do impossível: onde havia esterilidade, nasce a promessa; onde reinava o silêncio, ergue-se a voz que prepara o caminho da liberdade interior. João, fruto do silêncio e da espera, anuncia o advento de uma nova ordem — não imposta, mas acolhida no coração livre. Ele reconhece no Outro o Cordeiro, e ao fazê-lo, dissolve o ego para exaltar a verdade. Sua existência é testemunho de que cada ser, mesmo nascido do improvável, pode ser semente de transformação e despertar — pois é no interior que se inicia o Reino que liberta.
“Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.”
— Marcos 1:3
Nativitas Sancti Ioannis Baptistae
Evangelium secundum Lucam 1,57–66.80 (Vulgata Clementina)
57. Elisabeth autem impletum est tempus pariendi, et peperit filium.
Chegou para Isabel o tempo do parto, e ela deu à luz um filho.
58. Et audierunt vicini et cognati eius quia magnificavit Dominus misericordiam suam cum illa, et congratulabantur ei.
Os seus vizinhos e parentes ouviram que o Senhor lhe tinha demonstrado grande misericórdia, e se alegraram com ela.
59. Et factum est in die octavo venerunt circumcidere puerum, et vocabant eum nomine patris sui Zachariam.
No oitavo dia vieram circuncidar o menino, e queriam chamá-lo Zacarias, como seu pai.
60. Et respondens mater eius dixit: Nequaquam, sed vocabitur Ioannes.
Mas sua mãe respondeu: De modo nenhum! Ele se chamará João.
61. Et dixerunt ad illam: Quia nemo est in cognatione tua qui vocetur hoc nomine.
Disseram-lhe: Não há ninguém na tua família com esse nome.
62. Innuebant autem patri eius quem vellet vocari eum.
Faziam sinais ao pai para saber como queria que o menino se chamasse.
63. Et postulans pugillarem scripsit, dicens: Ioannes est nomen eius. Et mirati sunt universi.
Então ele pediu uma tabuinha e escreveu: “João é o seu nome.” E todos se admiraram.
64. Apertum est autem os eius statim, et lingua eius soluta est, et loquebatur benedicens Deum.
Imediatamente se abriu a sua boca, soltou-se sua língua, e ele falava, bendizendo a Deus.
65. Et factus est timor super omnes vicinos eorum: et super omnia montana Iudaeae divulgabantur omnia verba haec:
Todos os vizinhos ficaram tomados de temor, e por toda a região montanhosa da Judeia, divulgavam-se essas coisas.
66. Et posuerunt omnes qui audierant in corde suo, dicentes: Quid putas puer iste erit? Etenim manus Domini erat cum illo.
E todos os que ouviam essas coisas guardavam-nas no coração, dizendo: “O que virá a ser este menino?” De fato, a mão do Senhor estava com ele.
80. Puer autem crescebat, et confortabatur spiritu: et erat in deserto usque in diem ostensionis suae ad Israel.
O menino crescia e se fortalecia em espírito; e viveu no deserto até o dia de sua manifestação a Israel.
Reflexão:
A liberdade se revela no instante em que o nome é dado não pela tradição, mas pela escuta do invisível. João não é apenas fruto de Isabel, mas sinal de um princípio que se move além da lógica ancestral: o novo rompe o ciclo do mesmo. A palavra que emerge do silêncio carrega uma potência transformadora, e nela se revela um chamado que não depende da herança, mas da vocação interior. Quando se rompe o mutismo, não é apenas Zacarias que fala — é a consciência que desperta para a presença. Cada ser humano, como João, traz a possibilidade de tornar-se voz do sentido, onde tudo parecia deserto.
Versículo mais importante:
O versículo mais emblemático e teologicamente profundo de Lucas 1,57–66.80, no contexto do nascimento de João Batista, é o versículo 66, pois ele expressa a admiração do povo e antecipa a grandeza da missão profética do menino.
66
Et posuerunt omnes, qui audierant, in corde suo, dicentes: Quid putas puer iste erit? Etenim manus Domini erat cum illo.
E todos os que ouviam essas coisas guardavam-nas no coração, dizendo: “O que virá a ser este menino?” De fato, a mão do Senhor estava com ele. (Lc 1:66)
Este versículo destaca a presença ativa da graça divina sobre João e o mistério de sua vocação futura, despertando uma reverência silenciosa nos corações. Ele ecoa o princípio de que cada vida carrega um potencial singular que, ao ser reconhecido e acolhido, pode transformar a realidade ao seu redor.
HOMILIA
A Voz que Desperta no Silêncio
No tempo em que tudo parecia estéril — no ventre de Isabel, na boca calada de Zacarias, na história que se arrastava sob a sombra da espera — ergue-se o princípio do novo. O nascimento de João não é apenas o surgimento de uma criança, mas a irrupção de um sentido maior que transborda as margens do tempo. O silêncio de Zacarias, antes imposto, torna-se terreno fértil para a escuta interior. E é ali, na escuta, que germina a liberdade: não como reação, mas como adesão profunda ao mistério que se revela.
João nasce no limiar entre o passado e o porvir. Seu nome, não herdado da tradição, mas revelado pelo Espírito, rompe com a lógica da repetição. Ele é nomeado pelo céu, e nisso manifesta-se a dignidade de toda pessoa chamada por um propósito que transcende sua origem biológica. Não somos apenas frutos do sangue e da carne, mas expressões do Verbo que habita no invisível.
Quando Zacarias escreve “João é o seu nome”, a Palavra volta a habitar sua boca. Não se trata apenas de recuperar a fala, mas de pronunciar a verdade — e toda verdade liberta. João, que significa “Deus é misericórdia”, será o precursor daquele que não apenas dirá a verdade, mas será a Verdade feita carne. E aquele que anuncia não fala por vaidade, mas por missão: tornar o mundo permeável à Luz que se aproxima.
O deserto onde João cresce não é ausência, mas escola da interioridade. Ali, longe das vozes do mundo, ele se fortalece em espírito. Porque é no silêncio que a alma escuta a direção do eterno. O deserto é o útero da liberdade, onde a pessoa se desvencilha das máscaras e retorna ao essencial. João não será grande pelo poder, mas pela entrega. Não brilhará por si, mas porque aponta para o Outro.
A dignidade da existência humana resplandece neste evangelho como uma centelha que aguarda ser acesa. Cada nascimento é um sinal, cada vida uma convocação. A mão do Senhor repousa sobre aquele que se deixa moldar por ela. Não há vocação maior do que esta: tornar-se voz que prepara, presença que acolhe, ponte entre o que é e o que deve vir a ser. Como João, somos chamados a crescer no espírito, até o dia de nossa manifestação — não para o mundo, mas para o amor.
"Quid putas puer iste erit? Etenim manus Domini erat cum illo."
“O que virá a ser este menino?” De fato, a mão do Senhor estava com ele. (Lc 1,66)
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explanação Teológica Profunda – Lucas 1,66
“Et posuerunt omnes, qui audierant, in corde suo, dicentes: Quid putas puer iste erit? Etenim manus Domini erat cum illo.”
“E todos os que ouviam essas coisas guardavam-nas no coração, dizendo: ‘O que virá a ser este menino?’ De fato, a mão do Senhor estava com ele.” (Lc 1,66)
Este versículo é um dos mais densos teologicamente no relato do nascimento de João Batista, pois revela três movimentos espirituais fundamentais: a escuta interior, a contemplação do mistério da vocação, e o reconhecimento da ação divina que conduz a história humana.
1. “Guardavam-nas no coração” — A escuta que transforma
A primeira parte do versículo indica que as pessoas não apenas ouviram os sinais que envolviam o nascimento de João, mas guardaram-nos no coração. No contexto bíblico, o “coração” não é apenas sede dos sentimentos, mas o lugar da decisão, da consciência, da interioridade profunda onde Deus fala ao ser humano. Guardar algo no coração é permitir que esse acontecimento se enraíze, seja meditado, confrontado, assimilado — até se tornar princípio ativo de transformação interior. É um movimento semelhante ao de Maria em Lc 2,19, que também guardava todas essas coisas no coração. Isso revela que a escuta verdadeira exige silêncio interior, paciência e abertura para que o mistério revele seu sentido com o tempo.
2. “O que virá a ser este menino?” — O mistério da vocação
Essa pergunta nasce da experiência do mistério. Não se trata de mera curiosidade, mas de um assombro reverente diante do que é incomum, do que escapa ao controle humano. A pergunta carrega a consciência de que há uma vocação inscrita no ser de cada um que não pode ser prevista nem imposta. Nesse sentido, a frase aponta para o reconhecimento da liberdade que Deus inscreve em cada existência. João não é uma extensão de seus pais, nem fruto de uma herança comum, mas alguém único, cuja missão está envolta em um chamado divino. Perguntar “o que virá a ser?” é reconhecer que a existência é uma travessia — e que a grandeza de alguém não se mede por suas origens, mas pela fidelidade àquilo que foi chamado a ser.
3. “A mão do Senhor estava com ele” — A ação divina que acompanha e sustenta
Na tradição bíblica, a expressão “mão do Senhor” representa a força ativa de Deus na história. É símbolo de proteção, direção, inspiração e poder criador. Quando o evangelista afirma que “a mão do Senhor estava com ele”, está declarando que João Batista nasce sob um desígnio particular, envolto na providência divina, e sustentado por uma presença que o guiará em sua missão profética. Isso não nega sua liberdade, mas mostra que sua vida está orientada por um horizonte mais amplo do que os olhos podem ver. João será grande não por si mesmo, mas porque sua existência será inteiramente moldada por essa presença.
Conclusão
Este versículo convida o leitor à reverência diante do mistério da vida e da vocação de cada pessoa. Ele nos ensina que, para compreender os caminhos de Deus, é preciso cultivar o silêncio do coração, reconhecer que cada ser carrega uma missão única, e crer que a mão de Deus age — discretamente, mas eficazmente — na história dos que se abrem à Sua vontade. Guardar, perguntar e reconhecer: eis o caminho espiritual sugerido neste breve, mas profundíssimo versículo.
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