Liturgia Diária
17 – TERÇA-FEIRA
11ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Admirável é a comunidade que, iluminada pela centelha do Amor Original, reconhece no outro a extensão viva de sua própria dignidade. Ao espelhar-se na generosidade do Logos encarnado, transcende as fronteiras da exclusão e se torna templo de liberdade interior, onde cada ser é acolhido como fim em si mesmo. Nessa ordem espiritual, o auxílio ao necessitado não é dever imposto, mas expressão espontânea de um coração consciente. Assim, a verdadeira comunhão nasce não da uniformidade, mas da livre adesão ao Bem, onde a responsabilidade individual se converte em ação concreta pela justiça, sem coação, apenas por amor.
“Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.”
— Jo 15,12
Evangelium secundum Matthaeum 5,43-48
Títulus litúrgicus: Diligite inimicos vestros
43 Audistis quia dictum est: Diliges proximum tuum et odio habebis inimicum tuum.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.
44 Ego autem dico vobis: Diligite inimicos vestros et orate pro persequentibus vos,
Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem,
45 ut sitis filii Patris vestri, qui in caelis est: qui solem suum oriri facit super malos et bonos et pluit super iustos et iniustos.
para que vos torneis filhos de vosso Pai que está nos céus; porque Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e chover sobre justos e injustos.
46 Si enim diligitis eos, qui vos diligunt, quam mercedem habetis? nonne et publicani hoc faciunt?
Se amais apenas os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem isso também os publicanos?
47 Et si salutaveritis fratres vestros tantum, quid amplius facitis? nonne et ethnici hoc faciunt?
E se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isso também os pagãos?
48 Estote ergo vos perfecti, sicut Pater vester caelestis perfectus est.
Sede, pois, perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito.
Reflexão:
A grandeza do ser humano se revela na liberdade de amar além da reciprocidade. A escolha de responder ao mal com o bem não é submissão, mas afirmação de uma interioridade autônoma, capaz de criar realidades novas. O amor aos inimigos rompe o ciclo da repetição e inaugura um espaço de evolução pessoal e social. Não se trata de renunciar à justiça, mas de superar o impulso reativo em favor de uma construção ativa e consciente do bem. A perfeição proposta por Cristo não é conformidade exterior, mas expressão do amadurecimento de uma vontade que deseja o bem livremente, mesmo sem garantias.
Versículo mais importante:
O versículo central e mais importante de Evangelium secundum Matthaeum 5,43-48 é o versículo 48, pois ele resume o chamado radical de Jesus à superação interior pela imitação da perfeição divina — sendo o ápice do ensinamento do amor universal.
Estote ergo vos perfecti, sicut Pater vester caelestis perfectus est.
Portanto, sede vós perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito. (Mt 5:48)
Esse versículo é o cume da passagem, pois eleva o ser humano ao convite à plenitude: não apenas à prática de um bem moral, mas à transformação interior conforme o modelo divino — livre, universal, amoroso.
HOMILIA
A Jornada da Perfeição Interior
Irmãos e irmãs, ao mergulharmos na luz do Evangelho, somos convidados a ultrapassar as fronteiras da reciprocidade e a desbravar o território mais íntimo de nossa alma. Quando nos é ordenado amar os inimigos e orar por quem nos trama o mal, somos impelidos a uma revolução silenciosa: a transformação da própria vontade, de rédea curta, em um horizonte livre e vasto.
Não se trata apenas de um gesto moral, mas de um chamado cósmico à evolução interior, onde cada ato de bondade é semente lançada no solo fértil da liberdade. Nesta liberdade, o “próximo” não é uma metade a reconhecer, mas um outro inteiro, dotado de igual dignidade, imagem viva do mistério divino. Ao acolher o inimigo como irmão, erguemos um monumento à soberania do amor que transcende toda dependência exterior.
A perfeição a que somos convocados não é a de um padrão externo, mas a maturação de uma essência desperta, que cresce por dentro e reflete o esplendor do princípio criador. Cada desafio, cada ofensa, converte-se em oportunidade de expandir o ser para além dos limites antigos, como o sol que nasce sobre maus e bons, e a chuva que nutre justos e injustos.
Desse modo, nossa vida cristã assume o perfil de um caminho dinâmico: não uma marcha rígida, mas um voo livre de adoração e serviço. Que possamos, dia após dia, tecer na consciência as fibras da compaixão e da responsabilidade pessoal, até sermos, em gestos e intenções, espelhos vivos da perfeição céleste.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
O versículo “Portanto, sede vós perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48) encerra, em poucas palavras, o cerne do caminho cristão: a chamada a uma maturidade moral e espiritual que reflete a própria essência de Deus. Vejamos alguns pontos centrais dessa profunda exortação:
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O termo grego ‘τέλειοι’ (téleioi)
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Traduzido por “perfeitos”, este adjetivo vem de “telos” (fim, plenitude). Mais do que ausência de falhas, designa uma integridade ou plenitude de propósito. Cristo nos convida não a uma impecabilidade mecânica, mas a uma harmonia interna em que vontade, afetos e ações convergem para o bem.
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Imago Dei e participação na vida divina
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Somos criados “à imagem e semelhança” do Deus triuno (Gn 1,27). A perfeição cristã retoma este projeto: o discípulo é chamado a participar da vida divina (2 Pd 1,4), sendo semelhança viva do amor, da misericórdia e da justiça que irradiam do Pai.
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Superação da lei por amor
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No contexto do Sermão da Montanha, Jesus eleva a Lei de Moisés ao seu princípio mais profundo. A perfeição exigida não se limita ao cumprimento exterior de preceitos, mas atinge a intenção interior: amar de forma incondicional, estender graça mesmo ao inimigo, agir não por obrigação, mas por liberdade amorosa.
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Dimensão escatológica
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A exortação aponta para o “já e ainda não” do Reino de Deus. Somos chamados a viver desde agora a perfeição daqueles que herdarão a vida eterna (Mt 25,34). Essa maturidade é, ao mesmo tempo, fruto da graça recebida e horizonte a perseguir até o encontro definitivo com Cristo.
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Caminho de santificação
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A perfeição não é instantânea, mas travessia de purificação (purgação de vícios), iluminação (crescimento na fé e no amor) e união (intimidade com Deus). Cada passo de conversão e cada dom divino infundido orientam nossa vontade para a semelhança crescente com o Pai.
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Prática comunitária e pessoal
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Embora exortação pessoal, ela acontece na comunidade: “sede vós perfeitos” pressupõe irmãos a quem amar, peregrinos a quem ajudar. A perfeição cristã floresce no corpo eclesial, onde dons se reciprocamente abastecem e encorajam no caminho do bem.
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Imitação criativa
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Imitar a perfeição do Pai não é simples cópia, mas uma criação nova: cada indivíduo, com seus talentos e limitações, responde livremente ao amor divino, gerando obras de justiça e misericórdia próprias de sua vocação.
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Em suma, Mt 5,48 nos convoca a uma transformação total: o amadurecimento interior que faz de nós espelhos vivos da bondade divina, agentes ativos do Reino já presente e ainda em construção, e testemunhas de uma civilização do amor que nasce da liberdade consciente e da inalienável dignidade de cada pessoa.
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