Liturgia Diária
23 – QUARTA-FEIRA
16ª SEMANA DO TEMPO COMUM
(verde – ofício do dia)
Quem me protege e me ampara é meu Deus; é o Senhor quem sustenta minha vida. Quero ofertar-vos o meu sacrifício de coração e com muita alegria (Sl 53,6.8).
No deserto interior da alma, o Espírito semeia liberdade ao nutrir o ser com o alimento do Alto. O verdadeiro Pão que desce do Céu não impõe: convida. Sustenta pela Palavra viva, jamais pela força. O Amor se manifesta no direito de escolher o Bem, e o alimento divino — presença do Cristo — fortalece a consciência para essa jornada. Aquele que se oferece como Pão eterno não cerceia, mas revela o caminho. Assim, a alma que deseja pode comer e viver.
“Eu sou o pão vivo que desceu do céu”
– João 6:51
Evangelium secundum Matthæum 13,1-9
Dominica XV per Annum – Sermo de Seminatore
1. In illo die, exiens Jesus de domo, sedebat secus mare.
Naquele dia, saindo Jesus de casa, sentou-se à beira do mar.
2. Et congregatæ sunt ad eum turbæ multæ, ita ut in naviculam ascendens sederet: et omnis turba stabat in littore.
E reuniram-se junto d’Ele grandes multidões, de modo que, entrando numa barca, sentou-se, e toda a multidão estava em pé na praia.
3. Et locutus est eis multa in parabolis, dicens: Ecce exiit, qui seminat, seminare.
E falou-lhes muitas coisas em parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear.
4. Et dum seminat, quædam ceciderunt secus viam, et venerunt volucres, et comederunt ea.
E enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, e vieram as aves e as comeram.
5. Alia autem ceciderunt in petrosa, ubi non habebant terram multam: et continuo exorta sunt, quia non habebant altitudinem terræ.
Outras caíram em terreno pedregoso, onde não havia muita terra; e logo brotaram, porque a terra não era profunda.
6. Sole autem orto, æstuaverunt: et quia non habebant radicem, aruerunt.
Mas, levantando-se o sol, queimaram-se; e como não tinham raiz, secaram-se.
7. Alia autem ceciderunt in spinas: et creverunt spinæ, et suffocaverunt ea.
Outras caíram entre espinhos, e os espinhos cresceram e as sufocaram.
8. Alia vero ceciderunt in terram bonam: et dabant fructum, aliud centuplum, aliud sexaginta, aliud autem triginta.
Mas outras caíram em terra boa e deram fruto: uma cem, outra sessenta, outra trinta por um.
9. Qui habet aures audiendi, audiat.
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Reflexão:
Cada semente representa uma possibilidade de ser — um impulso sagrado rumo ao florescimento interior. O Cristo, como semeador, não força o terreno: respeita a liberdade do solo. O campo é a consciência, e sua fecundidade depende da abertura voluntária à luz. Em cada escolha está contido o destino da colheita. A Palavra não se impõe — ela desperta. Onde há espaço livre, o fruto se multiplica. O sentido último da vida não é dado, mas construído com a graça que liberta. O Espírito não comanda: convida. O crescimento do ser é obra de cooperação entre o eterno e o livre.
Versículo mais importante:
O versículo mais central e teologicamente importante de Evangelium secundum Matthæum 13,1-9 é o versículo 8, pois nele está o ápice da parábola: a fecundidade da Palavra no terreno fértil da alma aberta.
8. Alia vero ceciderunt in terram bonam: et dabant fructum, aliud centuplum, aliud sexaginta, aliud autem triginta.
Mas outras caíram em terra boa e deram fruto: uma cem, outra sessenta, outra trinta por um.(Mt 13:8)
Este versículo exprime o mistério da cooperação entre o dom divino e a liberdade humana: a semente é a mesma, mas o fruto depende da receptividade interior.
HOMILIA
O Solo da Liberdade e o Fruto do Espírito
O semeador saiu a semear. Não força a terra. Não escolhe apenas o solo fértil. Semeia com liberalidade divina — como quem confia no tempo, na liberdade e no mistério que habita cada interior. A parábola não fala apenas de sementes externas, mas de uma dinâmica cósmica que atravessa o coração humano: o Espírito semeia eternamente o Verbo da Vida, e o solo da alma é o espaço onde a eternidade se encarna.
Cada tipo de terreno é um estágio da consciência. À beira do caminho, a alma vive à superfície, dispersa pelas vozes que cruzam o mundo; nas pedras, há entusiasmo sem raízes — ausência de interioridade; entre espinhos, a semente tenta brotar, mas é sufocada pela escravidão dos desejos. Apenas o solo bom, livre de pesos e aberto ao Alto, torna-se morada fecunda.
Este solo bom não nasce pronto: é cultivado com esforço silencioso, escolhas diárias, abertura ao invisível. É o espaço sagrado onde a liberdade encontra a luz. Deus não impõe o fruto — Ele o propõe, e a alma, em sua dignidade inviolável, pode acolhê-lo ou não. Eis o grande mistério: o Infinito depende do consentimento do finito para gerar fruto no tempo.
A evolução espiritual não é uma corrida, mas um florescimento; não é um dever imposto, mas um chamado amoroso. Cada alma é um campo em expansão, e o semeador — imagem do Verbo eterno — passa continuamente, lançando sementes de sentido, de beleza, de verdade. Cabe ao ser humano abrir-se ao cultivo da interioridade, removendo as pedras, podando os espinhos, aprofundando suas raízes.
A boa terra é a liberdade orientada à verdade. Quando a Palavra encontra tal espaço, a multiplicação do fruto não tem limites: trinta, sessenta, cem por um. Porque onde há entrega consciente, o Espírito gera abundância. E assim, a Criação continua: em cada semente acolhida, o Reino se inscreve no mundo — não como imposição, mas como revelação amorosa.
“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”
– Mateus 13,9
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Versículo:
"Alia vero ceciderunt in terram bonam: et dabant fructum, aliud centuplum, aliud sexaginta, aliud autem triginta."
– “Mas outras caíram em terra boa e deram fruto: uma cem, outra sessenta, outra trinta por um.”
(Mateus 13,8)
1. A Semente como Verbo Eterno
A semente lançada é símbolo do Logos, o Verbo eterno, expressão viva da Vontade criadora de Deus. Ela carrega em si não apenas uma mensagem moral ou religiosa, mas um potencial ontológico: é a própria vibração do Ser que busca se encarnar na consciência humana. O semeador é imagem do Espírito que, em cada instante, insufla vida e luz nas profundezas do ser, com o desejo de gerar frutos de eternidade no tempo.
2. A Terra Boa como Consciência Despertada
A “terra boa” é a alma livre, purificada dos ruídos interiores, receptiva à transcendência. Não é apenas a ausência de obstáculos, mas a presença de uma disposição interior que acolhe com reverência o que vem do Alto. Tal terreno é símbolo da consciência que reconhece sua dignidade e, ao mesmo tempo, sua abertura radical ao divino. É onde a liberdade encontra sua orientação no bem e sua realização no amor.
3. Frutificar como Cooperação Criadora
O fruto não nasce apenas pela ação da semente, mas da relação entre o que é plantado e o que é acolhido. Esta parábola revela que Deus, embora onipotente, se limita voluntariamente diante da liberdade humana: Ele semeia, mas não colhe sem o consentimento da alma. Frutificar, portanto, é tornar-se colaborador da criação, coautor do Reino, expressão viva de uma liberdade que se une à Graça para dar novos sentidos ao mundo.
4. Os Níveis do Fruto: Trinta, Sessenta, Cem
A multiplicação do fruto em diferentes medidas — trinta, sessenta, cem por um — não é desigualdade, mas gradação espiritual. Cada alma responde conforme sua profundidade, maturidade e entrega. Não se trata de competição, mas de realização: quem frutifica trinta, realiza sua verdade com integridade; quem alcança o cêntuplo, mergulha ainda mais fundo na fonte. Todos são fecundos à sua maneira, porque o critério último é a fidelidade à luz recebida.
5. A Escuta como Portal da Eternidade
Este versículo culmina no apelo: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.” A escuta é o gesto inaugural da verdadeira espiritualidade. Não uma escuta passiva, mas uma abertura que transforma. O Verbo quer ser acolhido, e apenas quem ouve com o coração desperto transforma semente em árvore, Palavra em carne, e fé em mundo novo.
Conclusão: O Mistério da Liberdade Fecunda
Neste versículo, o Cristo revela o segredo do Reino: o universo se expande pela resposta livre da alma humana. A Palavra é lançada, mas o fruto depende do sim interior. É a dança entre o eterno que chama e o finito que consente. Quando a liberdade se oferece ao Amor, então tudo se transforma — e aquilo que era apenas semente se torna abundância, plenitude e eternidade visível.
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