Liturgia Diária19 – QUINTA-FEIRA
SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO
(branco, glória, sequência [facultativa], creio, pref. da Eucaristia – ofício da solenidade)
“Eu o sustentaria com a flor do trigo, e com o mel da rocha eu o saciaria.”
— Salmo 81(80), 17 Bíblia de Jerusalém
Sob a Luz do Altíssimo, celebramos o Mistério da Presença que se reparte como pão e sentido. Cada ser, imagem livre do Infinito, é chamado a nutrir-se da Fonte que não impõe, mas convida. A partilha do Corpo é mais que rito: é lembrança viva de que doar-se é reconhecer o outro como sagrado. Onde há liberdade interior, floresce a responsabilidade fraterna. O Cristo que se entrega inspira o gesto voluntário que transforma a fome em comunhão. Não há coerção no amor verdadeiro. Há alegria em servir, pois servir é escolher. E escolher é a essência da dignidade espiritual e humana.
Sollemnitas Sanctissimi Corporis et Sanguinis Christi
Evangelium secundum Lucam 9,11-17
11. At turbae cognoverunt et secutae sunt eum; et excepit illos et loquebatur illis de regno Dei, et eos, qui cura indigebant, sanabat.
Mas as multidões souberam e o seguiram; ele as acolheu, falava-lhes do Reino de Deus e curava os que necessitavam de cuidado.
12. Dies autem coeperat declinare; et accedentes duodecim dixerunt illi: “Dimitte turbam, ut euntes in castella villasque, quae circa sunt, divertant et inveniant escas, quia hic in loco deserto sumus”.
Mas o dia começava a declinar; então os Doze se aproximaram e disseram: “Despede a multidão, para que indo aos povoados e campos ao redor, procurem abrigo e alimento, pois estamos aqui num lugar deserto”.
13. Ait autem ad illos: “Vos date illis manducare”. At illi dixerunt: “Non sunt nobis plus quam quinque panes et duo pisces, nisi forte nos eamus et emamus in omnem hanc turbam escas”;
Ele, porém, lhes disse: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Mas eles responderam: “Não temos mais que cinco pães e dois peixes, a não ser que vamos e compremos alimento para toda esta multidão”;
14. erant enim fere viri quinque milia. Ait autem ad discipulos suos: “Facite illos discumbere per convivia quinquagenos”.
Pois eram quase cinco mil homens. Ele, então, disse a seus discípulos: “Fazei-os sentar-se em grupos de cinquenta”.
15. Et ita fecerunt et discumbere fecerunt omnes.
E assim fizeram e fizeram todos sentar-se.
16. Acceptis autem quinque panibus et duobus piscibus, respexit in caelum et benedixit illis et fregit et dabat discipulis suis, ut ponerent ante turbam.
Tendo tomado os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os e dava aos seus discípulos para os distribuírem à multidão.
17. Et manducaverunt omnes et saturati sunt; et sublatum est, quod superfuit illis, fragmentorum cophini duodecim.
Todos comeram e ficaram saciados; e foram recolhidos doze cestos de pedaços que sobraram.
Reflexão:
O Cristo não impôs, convidou. Não mandou buscar pão, pediu partilha. O milagre nasce quando a liberdade encontra o amor e se expressa como doação espontânea. Aquilo que parecia insuficiente se torna abundância quando a vontade individual se une ao bem comum sem coação. Cada pão multiplicado é a imagem de uma escolha que se torna bênção. A Presença que se reparte entre muitos revela que o centro do real é relação, e que a comunhão não nasce da força, mas da convergência voluntária. No gesto de dar, a criatura se eleva, e o mundo se torna mais inteiro.
Versículo mais importnte:
O versículo mais central e teologicamente significativo de Lucas 9,11-17 é o versículo 16, pois ele descreve o momento-chave do gesto de Jesus que antecipa a Eucaristia — a multiplicação dos pães como sinal da partilha e da presença divina.
Acceptis autem quinque panibus et duobus piscibus, respexit in caelum et benedixit illis et fregit et dabat discipulis suis, ut ponerent ante turbam.
E, tomando os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os e dava aos seus discípulos para que os distribuíssem à multidão. (Lc 9:16)
Esse versículo espelha os gestos e palavras da Última Ceia (Lucas 22,19) e por isso é frequentemente interpretado como uma prefiguração eucarística. Ele também expressa a união entre o céu (respexit in caelum) e a terra (dabat discipulis), entre o divino que abençoa e o humano que partilha.
HOMILIA
O Pão Que Se Parte e o Universo Que Desperta
Homilia sobre Lucas 9,11-17
Na vastidão silenciosa de um lugar deserto, o Verbo Encarnado acolhe a multidão. Ele não apenas fala sobre o Reino — Ele o manifesta. Cada palavra que pronuncia vibra no íntimo das almas que O seguem, despertando nelas uma centelha esquecida: o chamado para serem mais do que sobreviventes, o chamado para se tornarem participantes conscientes de um Mistério que se doa.
Ao cair do dia, quando a natureza humana teme a escassez, Ele diz aos seus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. E nesse convite está o núcleo da evolução espiritual: a passagem da passividade à liberdade, do temor à criação, da espera ao gesto. O homem, criado à imagem, é chamado a cooperar com a própria Transcendência, não por imposição, mas por despertar.
A partilha dos cinco pães e dois peixes não é apenas um milagre de abundância — é a revelação de um princípio eterno: o universo interior do homem só se expande quando ele aprende a repartir o que julga insuficiente. No gesto de partir o pão, Jesus parte também os limites do egoísmo humano. E ao levantar os olhos ao céu, Ele não apenas abençoa: Ele revela a direção da verdadeira ascensão — aquela que se realiza ao se descer até o outro com compaixão.
Cada fragmento recolhido após a saciedade é sinal de que nada se perde no mundo onde reina o Amor que se entrega. O deserto torna-se mesa, a multidão torna-se corpo unido, e o pão — presença viva — transforma-se em ponte entre o céu e a dignidade da terra.
Assim, esse evangelho não nos fala apenas de um momento passado, mas de uma realidade sempre presente: a Criação continua em cada gesto livre de doação, e a Presença do Cristo habita toda alma que decide, conscientemente, ser alimento para o outro. O milagre, então, não é a multiplicação em si, mas a metamorfose da consciência que aprende que ser é dar-se. E na medida em que o pão se parte, o universo desperta em comunhão.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação teológica de Lucas 9,16
“E, tomando os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os e dava aos seus discípulos para que os distribuíssem à multidão.”
Este versículo é um dos mais densos em significado teológico do Evangelho de Lucas, pois concentra em gestos simbólicos a revelação do mistério da Encarnação, da Eucaristia e da mediação humana na economia da salvação. Vejamos os elementos-chave:
1. “Tomando os cinco pães e os dois peixes”
Este ato inicial expressa a humanidade de Cristo e a realidade concreta da matéria: Ele toma aquilo que é pequeno, limitado e cotidiano. O número cinco remete simbolicamente aos cinco livros da Torá (Pentateuco), e os dois peixes podem ser vistos como figura da Lei e dos Profetas, ou ainda das naturezas humana e divina de Cristo. Cristo toma aquilo que é humano e imperfeito, para transformá-lo em instrumento de plenitude.
2. “Levantou os olhos ao céu”
Este gesto é oração e elevação. Significa a abertura da consciência ao Pai, a orientação de toda ação para a Origem divina. Aqui, o céu não é apenas um lugar, mas a dimensão da fonte eterna. Jesus, o Mediador, revela que a transformação do mundo começa pela reconexão interior com o Altíssimo. Ele não age isoladamente, mas em comunhão com a Vontade divina — não como submissão, mas como perfeita liberdade unida ao Amor.
3. “Abençoou-os”
A bênção é o selo do Espírito sobre o real. Ao abençoar, Jesus consagra o que é simples — pão e peixe — tornando-o portador de uma graça que transcende a matéria. A bênção é o início da transfiguração: o alimento comum torna-se sinal de comunhão com o Eterno. É também uma imagem da Criação redimida: aquilo que é finito pode ser canal da Presença.
4. “Partiu-os”
Partir é o ato eucarístico por excelência. O Cristo parte o pão como sinal da sua própria doação, antecipando o mistério da Cruz. É no partir que o alimento se torna acessível; é no partir de Si mesmo que o Verbo se torna vida para o mundo. Aqui, partir não é perder, mas multiplicar. O mistério da fecundidade nasce da entrega — o que é dado se multiplica porque não pertence mais a si.
5. “E dava aos seus discípulos para que os distribuíssem à multidão”
Este gesto encerra uma dimensão eclesiológica profunda: Cristo não distribui diretamente. Ele envolve os discípulos como mediadores da graça. Isso prefigura o papel da Igreja e dos cristãos em toda geração: o que recebem de Cristo, devem repartir. Isso também expressa um princípio espiritual essencial: a graça não é acumulada, mas transmitida; sua plenitude está no fluxo, não na retenção.
Síntese teológica:
O versículo revela, em forma condensada, o mistério da Encarnação que se dá, da Eucaristia que se reparte, e da Igreja que serve. O pão abençoado é o próprio Cristo, que assume a matéria para transformá-la em presença redentora. Ao elevar os olhos, Ele mostra que toda transformação autêntica nasce da comunhão com o Pai. Ao partir, revela que a vida verdadeira floresce no dom de si. E ao entregar aos discípulos, indica que a liberdade humana, quando unida à graça, é chamada a cooperar na obra divina, não como instrumento passivo, mas como participante consciente do Reino que se constrói na partilha.
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