Liturgia Diária
20 – DOMINGO
16º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(verde, glória, creio – 4ª semana do saltério)
Quem me protege e me ampara é meu Deus; é o Senhor quem sustenta minha vida. Quero ofertar-vos o meu sacrifício de coração e com muita alegria (Sl 53,6.8).
Acolhidos pela Presença Eterna, sentamo-nos aos pés da Sabedoria para ouvir a Voz que liberta. A existência não se impõe — convida. Como Abraão, abrimos o ser à escuta; como Sara, sorrimos diante do impossível; como Maria, acolhemos a verdade com reverência; como Marta, servimos com intenção. Cada gesto se torna expressão da liberdade interior, onde a escolha consciente revela dignidade. O banquete não é imposto: é ofertado. Celebremos, então, Aquele que habita entre nós, não com mandos, mas com dons — ensinando-nos que a verdadeira autoridade nasce do Amor que respeita, chama e transforma sem coagir.
“Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.”
(2 Coríntios 3:17)
Evangelium secundum Lucam 10,38-42
In domo Marthae et Mariae
38 Et factum est, dum irent, et ipse intravit in quoddam castellum: et mulier quaedam, Martha nomine, excepit illum in domum suam.
E aconteceu que, enquanto caminhavam, Jesus entrou numa aldeia; e uma mulher chamada Marta o recebeu em sua casa.
39 Et huic erat soror nomine Maria, quae etiam sedens secus pedes Domini, audiebat verbum illius.
Ela tinha uma irmã chamada Maria, que se sentava aos pés do Senhor e escutava sua palavra.
40 Martha autem satagebat circa frequens ministerium: quae stetit, et ait: Domine, non est tibi curae quod soror mea reliquit me solam ministrare? dic ergo illi ut me adiuvet.
Mas Marta estava ocupada com muitos afazeres. Aproximando-se, disse: Senhor, não te importas que minha irmã me tenha deixado sozinha para servir? Diz-lhe, pois, que me ajude.
41 Et respondens dixit illi Dominus: Martha, Martha, sollicita es et turbaris erga plurima:
Respondeu-lhe o Senhor: Marta, Marta, andas inquieta e te preocupas com muitas coisas.
42 Porro unum est necessarium. Maria optimam partem elegit, quae non auferetur ab ea.
Mas uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.
Reflexão:
A consciência humana desperta na escuta silenciosa e cresce no espaço do encontro livre. Marta serve com zelo; Maria se entrega à escuta — ambas revelam expressões da liberdade em sua forma mais pura: o dom voluntário. A verdade não invade; chama. A presença divina não subjuga; convida. Cada ser, ao acolher a Presença, participa do processo de interiorização daquilo que transcende o tempo. O que Maria escolhe não lhe será tirado porque pertence ao domínio do que é eterno: o que é recebido pela liberdade interior torna-se semente do que permanece. A escuta ativa é o início da comunhão com o Infinito.
Versículo mais importante:
O versículo mais importante de Evangelium secundum Lucam 10,38-42, tradicionalmente reconhecido como o centro espiritual do episódio, é o versículo 42, pois ele expressa a síntese do ensinamento de Jesus sobre a verdadeira prioridade da alma:
42 Porro unum est necessarium. Maria optimam partem elegit, quae non auferetur ab ea.
Mas uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.(Lc 10:42)
Este versículo revela que a escuta atenta à Palavra — livremente escolhida — é a única realidade que permanece e transforma o ser humano desde dentro.
HOMILIA
O Chamado à Interioridade
Na travessia silenciosa dos caminhos do Espírito, o Evangelho segundo Lucas (10,38-42) nos conduz a uma casa que, mais que morada física, representa o santuário interior da alma humana. Nela, duas presenças — Marta e Maria — revelam dimensões distintas do ser. Marta age, inquieta pelo servir; Maria se aquieta, aberta à escuta. Ambas, no entanto, tocam o Mistério com gestos diferentes.
Jesus, ao acolher a inquietação de Marta e elevar a escolha de Maria, não estabelece uma hierarquia de valor, mas aponta para o que é eterno. "Uma só coisa é necessária", diz Ele — e essa necessidade não é material, nem urgente, mas ontológica: é a sede do ser pela Verdade que liberta, pela Palavra que gera, pelo Amor que não se impõe, mas se oferece.
Maria escolheu a melhor parte, porque sua escuta não é passiva: é um ato de liberdade interior. Ela se abre ao Logos como quem reconhece sua dignidade de criatura chamada a participar da plenitude. A escolha de Maria não lhe será tirada porque foi feita em liberdade, e o que nasce da liberdade verdadeira é eterno.
A casa de Marta e Maria é também a casa de cada um de nós, onde habitam o ruído do mundo e a voz do Eterno. Servir é nobre; escutar é vital. A ação que não brota da escuta perde-se em dispersão. Mas quando o agir nasce da escuta, torna-se extensão do Amor.
Há em cada pessoa humana um espaço sagrado onde Deus se revela não com imposição, mas com convite. Ele entra na casa, senta-se, fala — e espera. A evolução do ser não se dá pela conquista do exterior, mas pela abertura interior. É no silêncio do coração livre que o Espírito planta sementes de eternidade.
Escolher a melhor parte é, portanto, um ato de fidelidade à nossa vocação mais profunda: sermos participantes conscientes daquilo que permanece. E aquilo que permanece é o Amor que escutamos, acolhemos e traduzimos em vida.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
“Mas uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.” (Lc 10,42)
Explicação teológica e metafísica
1. A Única Coisa Necessária: O Absoluto que Chama
“Uma só coisa é necessária” — esta afirmação de Cristo, breve e absoluta, revela um princípio de ordem ontológica e espiritual. Não se trata de uma comparação moral entre Marta e Maria, mas de uma revelação do centro essencial do ser humano: a sua abertura ao Infinito.
A “única coisa necessária” transcende qualquer urgência terrena. Ela é o ponto de convergência entre o Tempo e a Eternidade, entre o fazer e o ser, entre a dispersão do mundo e a inteireza do espírito. Esse “unum necessarium” é a presença do Verbo eterno que se comunica à alma, exigindo não esforço, mas acolhimento; não mérito, mas consentimento interior.
2. A Escolha de Maria: Liberdade e Alinhamento com o Eterno
“Maria escolheu a melhor parte” — aqui, vemos a liberdade como expressão da dignidade mais profunda da pessoa humana. Maria escuta porque deseja, permanece aos pés do Senhor porque intui que ali está o verdadeiro alimento do espírito. A sua escolha não é forçada, mas espontânea, iluminada por um saber que ultrapassa o raciocínio e toca a intuição do sagrado.
Na escuta da Palavra, Maria se une à origem de todas as coisas. Ela não foge do mundo, mas se alinha com o centro de onde todo o mundo deve ser reordenado. Sua quietude não é fuga, mas fidelidade ao Real. O seu silêncio é fértil: nele germina a vida transformada.
3. A Parte que Não Será Tirada: O Insubstituível da Interioridade
“E esta não lhe será tirada” — o que Maria recebe não pertence ao domínio do transitório. Ao escutar a Palavra, ela acolhe em si aquilo que é imperecível. A escuta verdadeira se torna comunhão, e a comunhão gera interioridade. E aquilo que foi verdadeiramente interiorizado pelo espírito — pela via da liberdade e do amor — jamais poderá ser arrancado, pois se uniu à essência da própria alma.
Não se trata de uma posse, mas de uma incorporação espiritual. A “melhor parte” não é um prêmio, mas um modo de ser que se abre ao ser total. Por isso não pode ser tirada: ela é semente de eternidade, depositada no solo fecundo da escuta amorosa.
4. Marta e Maria: A Tensão Criativa entre Fazer e Ser
Marta representa a urgência do mundo, o zelo da ação, a fragmentação do tempo. Maria representa a escuta do Eterno, o repouso do coração, a unidade do ser. Ambas coexistem em nós: somos, ao mesmo tempo, Marta e Maria. O chamado de Jesus não é para desprezar Marta, mas para lembrar que toda ação que não brota da escuta corre o risco de se tornar vaidade.
A verdadeira transformação começa quando Maria precede Marta — quando a escuta antecede o agir. A escolha de Maria é, então, o modelo de toda vida autêntica: uma vida que escuta antes de servir, que se enraíza no eterno para depois frutificar no tempo.
5. A Interiorização da Palavra: Fundamento da Evolução Espiritual
Ao escolher a “melhor parte”, Maria participa de um processo de crescimento que não é exterior, mas interior. Essa evolução não é técnica, nem moralista: é uma expansão do ser rumo àquilo que é eterno e pleno. A Palavra escutada se torna luz interior, reorganizando os afetos, as intenções e o sentido da existência.
A alma que escuta verdadeiramente é aquela que se deixa plasmar por uma presença que não domina, mas inspira. Assim, a escuta se torna o primeiro passo de uma libertação silenciosa e profunda, onde o ser se reintegra ao seu eixo — ao Logos que o habita e o chama.
Conclusão: A Escuta como Porta do Ser
O versículo de Lucas 10,42 nos convida a reencontrar o centro da vida espiritual. A escuta de Maria é símbolo da alma que reconhece o essencial e o acolhe livremente. O que é escolhido com amor, enraizado na liberdade e fecundado pela Palavra não pode ser tirado, pois já pertence ao mistério do Eterno que habita no íntimo de cada ser.
“Mas uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.”
(Lucas 10,42)
Esta é a vocação de todo ser humano: escutar o que não passa, escolher o que permanece e habitar aquilo que já é semente da eternidade.
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