Liturgia Diária
3 – TERÇA-FEIRA
SÃO CARLOS LWANGA E COMPANHEIROS, MÁRTIRES
(vermelho, pref. dos mártires – ofício da memória)
“Como ouro na fornalha, ele os provou e os achou dignos de si. No dia do seu julgamento, eles resplandecerão como faíscas que correm no canavial.” “Os que nele confiam compreenderão a verdade, e os que são fiéis permanecerão com ele no amor, pois graça e misericórdia serão para seus eleitos.” (Sb 3,6s.9).
O Espírito sopra onde a liberdade é chamada a florescer, mesmo entre sombras e açoites. Paulo, ao partir de Éfeso, não se apoia em estruturas, mas na força invisível que impele o ser à fidelidade interior. Assim também Carlos Lwanga e seus companheiros, em meio ao ferro e ao fogo, não dobraram sua consciência ao poder, mas selaram com sangue o testemunho da graça. A verdadeira ordem nasce do Espírito que inspira o coração a viver por convicção e não por coação. É nessa fidelidade à verdade íntima que se manifesta a dignidade do humano, liberto para amar com coragem.
Evangelium secundum Ioannem 17,1–11
Lectio sancti Evangelii secundum Ioannem
1. Haec locutus est Iesus: et sublevatis oculis in caelum, dixit: Pater, venit hora: clarifica Filium tuum, ut Filius tuus clarificet te:
Jesus disse isso e, levantando os olhos ao céu, falou: Pai, chegou a hora; glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique.
2. Sicut dedisti ei potestatem omnis carnis, ut omne quod dedisti ei, det eis vitam aeternam.
Assim como lhe deste poder sobre toda carne, para que conceda a vida eterna a todos os que lhe confiaste.
3. Haec est autem vita aeterna: ut cognoscant te solum verum Deum, et quem misisti, Iesum Christum.
Ora, a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo.
4. Ego te clarificavi super terram: opus consummavi, quod dedisti mihi ut faciam:
Eu te glorifiquei na terra, completando a obra que me confiaste realizar.
5. Et nunc clarifica me tu, Pater, apud temetipsum claritate, quam habui priusquam mundus esset, apud te.
E agora, Pai, glorifica-me junto de ti com a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.
6. Manifestavi nomen tuum hominibus, quos dedisti mihi de mundo. Tui erant, et mihi eos dedisti: et sermonem tuum servaverunt.
Revelei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, e tu mos confiaste, e eles guardaram a tua palavra.
7. Nunc cognoverunt quia omnia quae dedisti mihi, abs te sunt:
Agora eles sabem que tudo o que me deste vem de ti.
8. Quia verba quae dedisti mihi, dedi eis: et ipsi acceperunt, et cognoverunt vere quia a te exivi, et crediderunt quia tu me misisti.
Porque as palavras que me deste, eu as dei a eles; e eles as acolheram, e reconheceram verdadeiramente que eu saí de ti, e creram que tu me enviaste.
9. Ego pro eis rogo: non pro mundo rogo, sed pro eis quos dedisti mihi: quia tui sunt:
Eu rogo por eles. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus.
10. Et mea omnia tua sunt, et tua mea sunt: et clarificatus sum in eis.
Tudo o que é meu é teu, e tudo o que é teu é meu; e fui glorificado neles.
11. Et iam non sum in mundo, et hi in mundo sunt, et ego ad te venio. Pater sancte, serva eos in nomine tuo quos dedisti mihi: ut sint unum, sicut et nos.
Eu já não estou no mundo, mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que sejam um, assim como nós somos um.
Reflexão:
O Cristo eleva os olhos e reconhece a Fonte que o sustenta — não como dominação, mas como comunhão profunda. A glória pedida não é poder, mas plenitude do ser em relação. Assim também o ser humano é chamado à sua realização: quando, livre, consente com o Bem que o transcende, torna-se irradiador de sentido. A eternidade, então, não é apenas um tempo sem fim, mas a consciência desperta da unidade com a origem e o destino. O conhecimento de Deus, que é Amor, revela a liberdade como vocação a um vínculo voluntário e luminoso. Só aí, enfim, somos verdadeiramente um.
Versículo mais importante:
Haec est autem vita aeterna: ut cognoscant te solum verum Deum, et quem misisti, Iesum Christum.
Ora, a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo. (Jo 17:3)
Este versículo une o destino humano à liberdade do conhecimento — não um saber intelectual, mas uma experiência relacional com a Verdade viva. É o ápice do chamado à comunhão consciente entre criatura e Criador.
HOMILIA
O Coração do Cosmos em Oração
Na oração elevada de Cristo segundo João 17,1-11, não ouvimos apenas palavras; escutamos o pulsar de toda a criação em direção ao seu princípio e ao seu fim. “Pai, chegou a hora: glorifica o teu Filho, para que o Filho te glorifique” — não se trata de uma troca de honrarias, mas da revelação de uma reciprocidade sagrada entre origem e destino, entre fonte e manifestação. É a consciência que, plenamente desperta, volta-se para Aquele de quem procede, desejando não possuir, mas tornar-se transparência do Amor que o gerou.
Cristo fala como quem já ultrapassou os véus do tempo. Ele não ora como quem se despede, mas como quem incorpora todos os momentos em um único instante de entrega. “Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti” — e aqui, conhecer não é saber, é ser um com. É amar de tal modo que se desaparece na luz sem perder a singularidade. Cada ser, então, encontra sua razão de ser não na autoafirmação isolada, mas no oferecimento livre de si ao Todo. É nessa liberdade do amor que a dignidade se revela.
Os que lhe foram dados — diz Jesus — guardaram a Palavra. Guardar é mais que obedecer: é permitir que ela habite, fecunde e transforme. Cada ser humano carrega, no âmago de si, uma centelha dessa Palavra. E no tempo oportuno, ela clama por expansão, por liberdade, por sentido. Mas só floresce onde há espaço interior para o infinito. Por isso Cristo pede: “guarda-os em teu nome... para que sejam um, como nós somos um”. A unidade aqui não anula, mas exalta. A comunhão não apaga a liberdade, mas a consagra.
Em cada um que se abre à verdade, o mundo se torna mais luminoso. Em cada um que ousa viver a vida como dom, a eternidade começa a brilhar dentro do tempo. A oração de Cristo ainda ressoa, não como eco distante, mas como centro vivo da realidade, chamando todos a reconhecer que, no mais profundo do ser, fomos feitos para glorificar — e ao glorificar, encontrar a nossa glória.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação teológica profunda de João 17,3:
“Ora, a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo.”
Este versículo é um dos cumes teológicos do Evangelho segundo João. Ele condensa, em poucas palavras, o mistério da salvação, a natureza da vida eterna e a identidade de Jesus como revelação do Pai. Ao contrário de uma definição puramente futura ou escatológica, Jesus aqui define a vida eterna não como um destino posterior à morte, mas como uma realidade presente e relacional — algo que começa já no tempo, como comunhão viva e crescente com Deus.
1. “Vida eterna” como comunhão vivente
O termo grego zōē aiōnios (vida eterna) não se refere a mera longevidade ou imortalidade, mas à qualidade divina da vida — isto é, uma vida que participa da própria existência de Deus, transbordante, plena, sem corrupção. É uma vida “do alto”, que não se mede por tempo, mas por intensidade de relação. E essa vida, diz Jesus, não é conquistada por obras, nem herdada por mérito, mas nasce do conhecimento.
2. Conhecer: mais que saber
O verbo grego ginōskōsin (“conhecer”) no contexto bíblico carrega um sentido profundo: não é conhecimento racional ou meramente doutrinal, mas conhecimento relacional, existencial e experiencial. É o mesmo verbo usado na Septuaginta para descrever o conhecimento íntimo entre homem e mulher (cf. Gn 4,1). Conhecer a Deus é entrar em aliança, viver num vínculo de reciprocidade, deixar-se transformar. É um conhecimento que exige abertura interior, liberdade espiritual e desejo verdadeiro.
3. “O único Deus verdadeiro”
Jesus afirma a unicidade e autenticidade de Deus em oposição às múltiplas imagens ou concepções falsas de divindade. O Deus que concede a vida eterna é o único verdadeiro, porque é o único que é em si — fonte de tudo o que existe e plenitude do ser. Conhecê-lo, portanto, é conhecer a origem de tudo, o fundamento de toda verdade, o Bem supremo. Tal conhecimento não aliena o humano, mas o liberta e o realiza.
4. “E aquele que enviaste, Jesus Cristo”
Aqui está o ponto culminante: conhecer o Deus verdadeiro inclui, necessariamente, conhecer aquele que Ele enviou. A missão de Jesus é inseparável do conhecimento de Deus, pois o Filho é a manifestação visível do invisível (cf. Jo 14,9). Em Jesus, Deus se dá a conhecer de forma pessoal, acessível, encarnada. Conhecer Jesus Cristo é entrar na dinâmica do amor trinitário, pois o Filho nos introduz na relação com o Pai pelo dom do Espírito.
5. Implicações para a vida humana
Este versículo revela que a salvação não é apenas um destino futuro, mas uma transformação presente: viver em comunhão com a Verdade, em liberdade interior e em amor. O ser humano é chamado a conhecer — ou seja, a se relacionar — com a fonte de seu próprio ser. Só nesse encontro ele se torna plenamente ele mesmo. A liberdade, a dignidade e a vocação do ser humano encontram seu centro nesta verdade: fomos criados para conhecer e amar a Deus em Cristo.
Portanto, João 17,3 não apenas define a vida eterna — ele a inaugura como caminho e como presente já acessível a todo coração que se abre ao Amor revelado.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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